terça-feira, 18 de junho de 2013

Projeto Volta Atlântico - Etapa 14 - Ilhas de Faial e Pico

Partimos já com saudades da ilha de Flores. Acho que vai ser difícil mantermos este nível no resto dos Açores, mas vamos conferir.

Saímos no sábado, as 12:30, para uma navegada de 135 milhas, com previsão de levarmos umas 26 horas. Céu nublado e previsão de vento de 15 nós de sudoeste, ou seja, través de boreste.

O tempo deu uma breve limpada e golfinhos apareceram, fazendo firulas na proa do Firulete.

Mas a moleza acabou logo. Entrou o vento anunciado, só que com mais de 20 nós, e fechou o tempo. No anoitecer, instalamos o piloto automático, mas logo deu pane e não trabalhou mais. Tivemos que tocar no braço, por toda a noite, fazendo turnos de 2 horas cada. No amanhecer, além do vento forte, uma chuvinha fria. Só fomos fazer foto já com Faial pelo bombordo. Um outro veleiro passou por nós, pelo rumo, vindo de travessia. A ilha estava encoberta, tendo só uma faixa visível, próxima do nível do mar.

Ao meio-dia estávamos entrando nas águas abrigadas pelos molhes da cidade de Horta, no único porto de Faial. As 12:30, ancoramos defronte a marina. Exatas 24 horas de navegação, mas tão cansados que fizemos um almoço e caímos na cama. A chuvinha não encorajava ir para terra. Lemos, jogamos, enrolamos até anoitecer. Curtimos o resto do domingo preguiçosamente.

Só no dia seguinte fomos para terra. Começamos dando entrada na marina e fazendo a documentação na alfândega e imigração. Bom que tudo funciona no mesmo lugar, e não cobram nada. Horta é muito preparada para receber os navegantes, pois há muito é o principal porto de passagem entre América e Europa.

Passeamos pelos píer's, investigando barcos de todos os tipos, idades e bandeiras.

A tradição daqui é que os barcos deixem registros da sua passagem. Paredes, muros e pisos são cobertos por milhares destes registros. Acaba sendo uma atração percorrer estes painéis e imaginar as histórias ali contidas.

Junho e julho são os meses onde ocorre a maior concentração de barcos, pois é quando é mais propícia a travessia. O espaço na marina é disputado, e os barcos são obrigados a ficarem a contra bordo, uns dos outros, chegando até a quatro barcos lado a lado, numa mesma vaga no píer.

Pra quem curte vela, ver estes barcos já é um ótimo programa. Vê-se de tudo. Aqui, um barco que ostenta os rabos dos peixes pescados, como se fossem troféus.

A marina esta no pé de uma pequena muralha que antigamente guarnecia o porto. Transformaram em monumentos uma série de antigas âncoras que jazem no gramado.

Saímos a fazer uma rápida incursão pela cidade. Embora seja segunda feira, tudo está fechado, pois é feriado em Portugal.

Percorremos a orla, estranhando tanto espaço em nível, pois nas Flores tudo era morro.
Além dos dois diques que quebram as ondas e formam uma enorme área abrigada, a orla é definida por um muro  inclinado de pedra, de uns 3 metros de altura, completado por uma faixa de grandes pedras amontoadas que amenizam qualquer movimento da água. Tudo resulta num abrigo muito eficiente e tranquilo.

A cidade de Horta tem algo como 15 mil habitantes, é muito organizada, limpa e bem preservada. O gentio é muito gentil, recebe muito bem, e demonstra uma grande simpatia pelo Brasil. Sabem que Florianópolis foi colonizada por açorianos e demonstram vontade de visita-la.

Existe aqui um bar que é famoso como ponto de velejadores. É o Peter Café Sport, foi fundado em 1918 e desde então tem este perfil. Suas paredes contam histórias de quase 1 século. O fundador (Peter) passou para o filho e este para o neto, que hoje dirige. É uma referência na ilha. Tem muito movimento e todas as noites é animado por música ao vivo de muito bom gosto. Cresceu muito e hoje agrega uma loja de roupas personalizadas, livros e souvenir, e uma agência que promove passeios pela ilha (terra e mar).

No pequeno pátio da marina, um veleiro cujo nome me agradou - "Remédio Santo".

O Cesar, apesar do tempo feio, subiu no Morro da Guia, que delimita a cidade, e fez boas fotos.

Quando demos entrada na marina, nos ofereceram uma vaga que ia desocupar até o fim do dia. Quando voltamos do passeio já estava livre. Levantamos âncora e atracamos na vaga vip. Ficamos de rei. O custo da diária é conforme o tamanho do barco. Para o Firulete, com seus 10,5 metros é de 12 euros, incluindo água e energia, o que é muito barato, comparado com as marinas do Brasil.

O banho quente, inclui toalha, e custa 2 euros. Não tivemos dúvida, adotamos o banho de mangueira no píer, de graça e com uma pressão fortíssima.

No primeiro dia que anunciava sol, levantamos cedo, vimos o sol nascer na ponta do morro e ...

as 7:30 estávamos chegando no terminal náutico.

Um prédio muito moderno e de uma arquitetura de alto nível. Ali embarcamos num ferry-boat e fomos para a ilha do Pico.

Uma travessia de meia hora, numa velocidade que não tem nada a ver com o velejar. Horta fica rapidinho para trás.

Na chegada, passamos muito perto do Ilhote Deitado, ...

com sua fenda, e ...

do Ilhote De Pé. Dizem que há muitos anos estão tentando casar, mas esbarraram na burocracia portuguesa.

Chegamos na cidadezinha de Madalena, uma das três freguesias do Pico, num pequeno porto, também protegido por molhe.

Demos um volta pelas suas ruas e descobrimos uma loja que alugava bicicletas.

Alugamos duas e partimos para um passeio pela orla norte. Região de vinhedos.

Ao longo da estrada, os vinhedos eram plantados em pequenos currais de pedra, que protegem a planta dos ventos, retém a umidade e servem de suporte, pois não utilizam parreiras. Como estamos na primavera, os pés são ainda jovens. A colheita ocorre em setembro.

A estrada ia serpenteando, tendo de um lado os vinhedos, com o imponente Pico (2.351 metros de altura) ao fundo, e pelo outro lado, a orla toda em lava negra e um mar azul intenso. Estávamos maravilhados com tanta beleza.

Na junção das lavas e o mar, algumas esculturas como os "Arcos do Cachorro", e algumas invasões da água na rocha, formando canais, furnas e provocando alguns rugidos.

Passamos por algumas pequenas vilas, com muitas casas em pedra, e chegamos numa que assumiu uma função museológica. Chama-se Lajido e foi considerada patrimônio mundial, pela Unesco.

Um charme a vila. O fato de não ter postes nem fiação aérea faz uma grande diferença. As redes são todas subterrâneas. Isto dá uma aspecto de limpeza incrível.

Seguimos adiante. Esta ilha tem uma formação diferente das demais. A rocha de lava é como que fervida. Em alguns pontos mostra que escorreu antes de se solidificar. É uma rocha leve e fácil de cortar, o que originou um bom acabamento nas construções.
Com este solo, a ilha é menos úmida e de melhor clima.

Passa um veleiro por nós. Ao fundo está a ilha de São Jorge, provavelmente a nossa próxima parada.

Paramos nesta ruína para fazer um lanche. Trouxemos sanduíches, amêndoas e chocolate.

Passando por uma piscina natural, apesar de gelada, o Cesar aproveitou para uma relaxada.

O fim da linha foi um lugar chamado Cachorro, onde está a igreja mais antiga da ilha - 1650.
Alugamos as bicicletas por 6 horas. Temos pouco mais de 1 hora para voltarmos os 12 km rodados.


Com 24 km pedalados, sentei num caramanchão, na praça. A trepadeira não podia ser outra, uma videira.

Há jardim em toda parte e o solo é sempre a lava moída, que é muito fértil. As hortênsias têm cores muito intensas e ...

e há espécies muito exóticas.

Para descansar da pedalada, decidimos aproveitar o resto da tarde numa caminhada. Seguimos agora pela orla oeste, onde continuavam os vinhedos em currais, ...

até quase perder de vista. A ilha produz o Vinho do Pico, motivo de orgulho para todo o Açores.

Nesta propriedade a plantação é de figos, plantados da mesma forma, em currais de pedra. Os figos daqui também são famosos.

Na orla, nada muda, é só lava negra. No fundo, vemos os ilhéus Deitado e De Pé, e a ilha do Faial.

Chegamos no que eles tem como praia. Uma piscina natural e um pátio cuidadosamente tratado com uma areia bem grossa, quase uma brita, feita da lava moída.

Na área de lazer, um campo de futebol, feito com a mesma areia, ...

mas o mar estava convidativo. Lá foi o Cesar para água mais uma vez.
Fiquei de conversa com dois senhores. Um deles havia ido levar a esposa para banhar os pés.
Estávamos já caminhando a umas 2 horas e a volta seria outro tanto. Então ...

o casal resolveu nos levar de volta até Madalena. O seu Guilhermo e a dona Julia. Muito simpáticos, tem 4 filhos, sendo que um deles mora no Brasil e é casado com uma carioca.

Chegamos no porto de Madalena a tempo de pegar o penúltimo ferry de volta para Faial. O último seria só as 9 da noite (que é dia, pois anoitece as 10).

No dia seguinte, aproveitamos o sol e pouco vento e subimos as velas para terminar de secar.

O Firulete ficou bonito, naquele cenário de barcos, com o mar espelhado e o Pico de fundo.

A medida que ia caminhando pela marina, fui fotografando todos os registros de barcos brasileiros. Aqui, há uma concentração deles, denominada "Alameda dos Brazucas". Aí vai os que consegui encontrar:

Alguns deles se tronaram famosos, foram registrados em livros e são conhecidos no meio náutico.

O Temüjin, fez o Costa Leste em 2010 conosco, e o Flayer, sei que passou por aqui, mas não encontrei o seu registro.

A  argentina Aurora, do veleiro Shipping, também subiu o Costa Leste em 2010 e passou por aqui em 2011, numa travessia solo, como era o seu plano.

A argentina Ximena, colega de Aurora no Costa Leste, passou no veleiro Pouletou, também em 2011. Na travessia, daqui para o Mediterrâneo, tiveram a infelicidade de serem atropelados por um navio mercante. O barco foi a pique e eles foram resgatados pelo próprio navio.

O Bar a Vento, dos amigos Alípio e Gil, passaram aqui em 2007, ...

e agora. Saíram de Horta no dia em que chegamos.

 O Aya, que saiu do Caribe conosco, já partiu também. Foram, com o Bar a Vento para a ilha Terceira.

Nós, que estamos num ritmo bem devagar, vamos curtir mais um pouco de Horta.

Do nosso lado, na marina, encostou um veleiro de bandeira francesa, daqueles que são máquinas de travessia.

O Firulete, por sua vez, recebeu um tratamento. Consertamos o stay-baby. Trocamos a parte transparente do dog-house e costuramos o bimini, que o vento havia rasgado. O trabalho foi feito pelo alemão Ralf, que mora em Horta a 11 anos, chegou aqui num veleiro e ficou. Tem uma velaria e atende todos que por aqui passam. Adora Jazz, toca gaita e piano, e tem uma moto BMW com a sua idade (de 1951). Um cara muito boa praça.

No domingo, fomos passear. Alugamos duas bicicletas no Peter e pedalamos até a ponta oeste do Faial, conhecer um pequeno pedaço da ilha que surgiu da erupção de um vulcão marinho, em 1957/58.

O acréscimo é todo formado por cinzas. Embora tenha pouco mais de 50 anos, já começa a aparecer vestígios de uma vegetação rasteira e as aves o incorporaram como seu território.

O farol que marcava aquela ponta da ilha, foi ocupado pelas cinzas e parcialmente destruído. Houveram também algumas famílias desalojadas. Duas ilhas foram engolidas pelas cinzas e desapareceram. O prédio, base do farol, tinha dois pavimentos. O térreo ficou soterrado.

Na comemoração dos 50 anos do fenômeno, foi inaugurado um moderno Centro de Registro. A obra foi construída toda sob as cinzas, respeitando totalmente o inóspito cenário.

O acesso se faz por um túnel, e o espaço criado causa uma bela surpresa...

Se estende até o térreo do prédio do farol, que foi todo resgatado.
A bela arquitetura no subsolo, guarda documentos, registros, fotos e filmagens do fenômeno. Modernas tecnologias foram utilizadas para explicar o ocorrido, desde a formação do arquipélago dos Açores, que fica na junção de 3 placas tectônicas (da América, da Europa e da África), entre 4 mil e 2 mil milhões de anos. Só que esta formação continua a acontecer e o último evento foi o chamado Vulcão dos Capelinhos.
Depois da aula de geologia, passamos a entender muito da morfologia e solo, das ilhas que visitamos.

Depois de fazer todo o circuito, a saída acontece no meio do prédio do farol. Muito bacana. Coisa de 1º mundo.
Na volta, eu e o Cesar ficamos sem bateria nas máquinas fotográficas, e todo os 26 km do percurso, que deixamos para registrar na volta, ficou sem foto. No caminho, a cada visual interessante era um lamento.
Ao todo foram 52 km de bike. Chegamos no fim do dia, muito cansados.

Na 2ª, o Cesar, não se conformando com as fotos que deixamos de tirar, caminhou 11 km pela orla, para fazer, pelo menos, alguns registros.

Valeu a pernada.
Eu fiquei no barco para trocar o óleo do motor e da transmissão, pois estávamos com planos de partir na 3ª.
Fiquei ainda no compromisso de fazer o painel de registro da passagem do Firulete pela Marina da Horta.

Na "Alameda dos Brazucas", encontrei já o Delphis, que recém partiu para São Miguel, e o Sobá, que continua por aqui.

Aproveitei um pequeno espaço (20x30cm) entre os brasileiros e fiz um singelo registro. Como eu gosto, sem alarde. Minimalista.

No fim do dia, novamente com pena de partir, decidimos ficar mais 1 dia. Saímos para uma caminhada para o lado do Monte do Guia.

Passamos por uma casamata, construída na 2ª guerra para guarnecer o porto. Esta ilha foi estratégica na disputa entre alemães e aliados, pela sua posição geográfica, para abastecimento.

Subimos o morro por uma trilha, deixando a cidade lá embaixo.

Fizemos mais umas belas fotos e descobrimos que este morro e as suas enseadas, chamadas Caldeirinhas, se formou geologicamente da mesma forma que os Capelinhos, só que a 11 mil anos atrás. Realmente a escala de tempo do homem não é nada, diante da escala do planeta e do universo.

Na volta, visitei uma antiga "Fábrica da Baleia" que virou museu. Operou até 1984. Processou 1940 baleias, ao longo de 30 anos de atividade. Assisti um filme de 1981, com a avistagem, a caça e o beneficiamento de uma baleia. É muito sangue. Parece uma covardia, pois o animal parece não ter chance, e não esboça qualquer reação agressiva.

Na saída, um chope no barzinho do museu, com vista para a praia, apreciando os banhistas esticados na areia escura.
Amanhã partimos para a próxima ilha. Vamos para São Jorge, num lugar chamado Velas.
A próxima postagem deverá ocorrer no fim do mês, quando estaremos nos preparando para deixar os Açores.
Até!







8 comentários:

  1. Cada vez mais encantada com a viagem!
    Saudades.

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  2. Hai comandante
    Obrigado pelas aulas de História e Geografia...show, continuamos de sentinela no rastro do Firula.
    Grande abraço
    Betinho Búrigo

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  3. Comandante Norb e Cesar
    Linda postagem. Estou com agua na boca. Inveja branca...
    porem navegar é preciso....
    Forte Abraço

    Bons Ventos.

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  4. Muito legal, Norberto. Gostei do registro da passagem do Firulete. Sempre bons ventos ao Firulete e sua tripulação.

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  5. Muito show as fotos...parabens !! estou acompanhando a viagem de vcs sempre.
    abraço,
    Rodrigo Mattiello

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  6. Olá César,

    que massa as fotos. Fiquei impressionada com a organização e limpeza do lugar! Não esperava isso. E bom ver que vcs estão bem e se divertindo na travessia.
    Amanhã o Cris sai para levar o 40' de um amigo para Ilhabela, para eles participarem da semana de vela. Fico com o coração apertado, mas feliz por ele. Claro que nem se compara à travessia de vocês, mas aos poucos a gente vai ampliando os horizontes.
    Bons ventos pra vcs! E continuem mandando notícias.
    Abraço, Ali

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  7. Norberto e Cesar, belas fotos. Não posso deixar de registrar que fico impressionadíssima com a energia física de vcs. Decididamente a Vó Aracy fez filhos turbinados. kkkkkk
    Desejo sempre bons ventos e belas imagens.
    Bjo saudoso
    Sandra

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  8. Muito bom Norberto, a gente viaja com seus relatos e imagens. Abraços, Sérgio Becke

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