segunda-feira, 3 de junho de 2013

Projeto Volta Atlântico - Etapa 12 - Do Caribe ao Açores

Depois de exatos 23 dias de navegação, chegamos à ilha das Flores, a ilha mais ocidental do arquipélago de Açores. Quem nos acompanhou pelo site do Spot, pôde perceber a parábola que fizemos nesta travessia. Seguimos a rota recomendada para os veleiros, pois é o caminho também dos ventos e correntes a favor. Apesar do aumento da distância ganhamos em velocidade e conforto.
Foram navegadas 2360 milhas, numa média de 102,61mn por dia e 4,275mn por hora. A maior singradura (distância percorrida em 24 horas) foi de 134mn, e a menor de 67mn. Motoramos por 100 horas e 40 minutos e consumimos 160 litros de diesel.
O Firulete mostrou mais uma vez que é de confiança, e podemos dizer que os elementos estiveram bastante a favor, o que significa que os deuses colaboraram, que as preces ajudaram, que a torcida em terra valeu.
Mas... comecemos pelo começo.

No último dia de Saint Maarten, fomos nos despedir do Alípio e Gil, do veleiro Bar a Vento, que também vão partir para o Açores daqui a 4 dias, refazendo esta viagem, agora para entrar no Mediterrâneo,...

visitamos o Clidenor, do veleiro Ondine, para conhecer o barco e agradecer o apoio que dá a todos os brasileiros que por aqui passam,...

lavamos e recolhemos o bote e, no fim da tarde, estávamos prontos para levantar ferro (âncora).

O veleiro Aya, com Tadeu, Ricardinho e João passou por nós avisando que já estava partindo. Fomos logo atrás, mas conscientes de que numa navegação deste tamanho, logo estaríamos nos dispersando e perdendo o contato.

No fim da tarde estávamos contornando a ilha por oeste, ...

vendo Simpsom Bay aos poucos ir se tornando passado.

Quando anoiteceu, tínhamos Sint Marten (lado francês da ilha) por boreste (direita) e a ilha de Anguila por bombordo (esquerda). Na nossa frente o Aya ía tomando distância. O vento era fraco e nos arrastávamos lentamente. Levamos diesel para umas 120 horas e o Aya para 180 horas de motor. A intenção é poupa-lo ao máximo e ir administrando o consumo, pois precisamos de combustível para a chegada e a atracação.

Ao amanhecer já não vemos terra. Os ventos alísios sopram livres desde a costa da Africa e vão nos acompanhar e impulsionar pelos próximos 10 dias, até estarmos na altura das Bermudas.
O astral é bom e fazemos questão de timonear o barco, nos revesando no leme durante todo o dia.

Alem dos 180 litros de água no tanque, levamos mais 120 litros em bambonas  e mais 100 litros de água mineral. Amarramos tudo nas cabines e não no convés, para baixar o centro de gravidade do barco e melhorar sua estabilidade. A água é vital numa travessia. Precisamos considerá-la inclusive numa eventual quebra do barco, onde se pode ficar a deriva e por muito mais tempo que o previsto.

Outro item importante foi o Spot, que durante toda a viagem, emitiu a cada 10 minutos nossa posição e registrou no site. Isto, além de permitir que fossemos acompanhados por quem quisesse, nos assegurou de não estarmos tão isolados do resto do mundo e nos dava uma sensação de segurança.

Nos primeiros dias, os alíseos de través estiveram sempre mais fortes que sua média preconizada nas Pilot Charts, de forma que voamos baixo.

Durante toda a viagem, nossos dias começaram com um banho de reboque, tirando assim a ressaca da noite de turnos. Com a economia de água doce, nos secávamos com uma toalha de banho, para reduzir o sal na pele. Assim passamos os 23 dias sem o banho doce e olha que nem sentimos falta.

A medida que íamos subindo para o norte, o frio e a nebulosidade iam aumentando. Para terem uma ideia, saímos da latitude correspondente a Abrolhos, na Bahia, para a de Mar del Plata, na Argentina - da latitude 18 para a 38.

Íamos puxando por todos os agasalhos disponíveis. Minha bota de tempo estava muito apertada e fiz do tênis uma bota de fortuna, isolando e incorporando o cano com plástico e fita tape.

O vento só aumentava. Chegamos a 25-30 nós, com 40 nas rajadas, medidos pelo anemômetro, presente do Guego. Vela grande no segundo rizo, genoa praticamente toda enrolada e a tormentin - pequena buja para uso em mau tempo.

E aí apareceu uma quebra. O stay-baby, que segura o mastro a meia altura pela proa partiu. Fiz uma compensação com o amantilho do burro. As duas adriças de balão, que eu já havia desviado por dois moitôes na altura da segunda cruzeta, para receberem a tormentim, também ajudaram bastante na função do stay rompido. De qualquer forma, dali para frente procurei poupar o esforço no mastro, utilizando menos pano (reduzindo a área vélica).

Com o frio, passamos a delegar a condução do barco totalmente ao piloto automático, que foi guerreiro e funcionou maravilhosamente bem, e sem reclamar, enquanto ...

nós aproveitávamos o nosso tempo de uma maneira mais agradável e menos desgastante.

Só tivemos que nos manter atentos no surgimento de navios no horizonte. Ao nos aproximarmos das Bermudas eles começaram a aparecer, pois é a rota entre a América do Norte e a Europa. Este vinha em nossa direção e damos um bordo, por prudência. Ao passar por nós deu uma buzinada como cumprimento.

Ao norte da latitude 30 era para começar a reduzir a intensidade dos alísios de leste, mas eles continuaram fortes. o mar cresceu e aqui temos uma onda, entrando pelo través de boreste que impressiona, mas o Firulete as cavalga com elegância.

 
Depois da latitude 35 as coisas começam a mudar. Os alíseos param e entramos na corrente do golfo. Muda a cor da água, que passa do azul arrocheado para um azul esverdeado. Agora a corrente vem da costa Americana e segue para o leste. É quando deixamos de subir para o norte e começamos a fazer uma curva no rumo mais direto do Açores (este-nordeste). O sol se põe, nasce e volta a se pôr, num céu que já permite vê-lo.

Nesta altura as Pilot Charts anunciam um vento predominante de sudoeste, força 4, o que seria muito bem vindo, mas até agora nada. Temos rendido muito pouco, em compensação os dias estão muito bonitos, apesar do frio.

Com a mudança da água os peixes começaram a aparecer. Tivemos vários fisgados mas não conseguimos embarcar nenhum. Todos conseguiram fugir e alguns levando a isca. Um deles chegamos a ver saltar e expor todo o corpo fora d´água. Tinha aproximadamente 1 metro de comprimento. Sua rabanada deve ter cortado a linha, pois  na segunda vez que saltou conseguiu se libertar. O jeito foi continuar nos enlatados.

O Cesar aproveitou o mar calmo para fazer pão, pois o nosso estoque está terminando e mofando. Dez dias é o máximo que duram os pães a bordo, mesmo mantendo na geladeira.

O resultado foi show. Acho de devíamos montar uma padaria por aqui. Não teríamos concorrentes com certeza.

Tivemos uma frente fria que por 15 horas  soprou um vento forte de noroeste com ondas crescendo pela alheta de bombordo, mas tudo passou rápido e só ficou o arco-iris e o frio.

E nada dos ventos anunciados de oeste ou sudoeste. Até agora as Pilot Charts não se fizeram por confirmar. Ou o vento é a mais, ou vem de outro quadrante, ou não tem.

O sol tem surgido no horizonte as 4 da manhã e a cada dia esperamos que vá haver uma diferença no cenário, mas tudo continua na maior calma.

As noites tem sido de lua cheia. Quando o vento reduz muito e as velas começam a panejar, temos ligado o motor, pelo menos para poder sentir o gostinho de plotar algum avanço. Todos os dias, as 18 horas fazemos a plotagem sobre a carta náutica e calculamos a singradura.

Os turnos a noite tem sido tão monótonos que aqui o Cesar foi flagrado no maior cochilo. Como estava de turno não tirou a lanterna da cabeça.
As noites tem sido tão claras que no convés, parece ter um refletor aceso.

Mais um amanhecer com promessa de pouco vento, e olha que estamos atravessando o chamado triângulo das Bermudas, onde 10% do tempo é com ondas de mais de 4 metros e a corrente do Labrador, que desce da Groenlândia, traz blocos de gelo que podem aparecer abaixo da latitude 40.

O jeito é relaxar e curtir. O Cesar resolveu provocar o Firulete ...

e o desafiou num 100 metros rasos.

O Firulete não reagiu e o Cesar venceu fácil.

Passamos o dia a deriva pois começava a me preocupar com a reserva de diesel. No fim da tarde nossa plotagem foi a pior de todas, 67 milhas náuticas percorridas durante a noite no motor. Descobrimos que durante o dia, na deriva, havíamos andado para trás. Inacreditável, até a corrente do golfo estava ao contrário. Já não estava entendendo mais nada, mas afinal, também não tínhamos pressa, a não ser para deixar aquele trecho, que costuma ser de mar grande, para trás.

A pesca também esta frustrando. Hoje pela terceira vez, engalha uma ave na linha. Elas ficam dando voltas no barco e acabam engalhando na linha. Esta, para soltar, trouxemos até na popa e a apanhamos com a coca, para poder desfazer o enrosco com a linha.

O Cesar já está ameaçando comer a isca.

Mas o vento finalmente apareceu e firmou, só que vem de nordeste, exatamente da direção que a Pilot Chart diz não ocorrer, ou seja, continua atípico. Apesar de uma orça apertada, estamos seguindo bem. O vento é gelado.
Agora adotamos a vara de pesca na horizontal, baixando a linha no ar, e assim não "pescamos" mais aves.
Por falar em aves marinhas, elas estiveram presentes durante toda a viagem. É impressionante como estes bichos se afastam de terra. A grande maioria são as pardelas, semelhantes ao nosso atobá, só que não mergulham para pegar o peixe e os pegam dando rasantes na superfície.

Nossos banhos de reboque voltaram e com força total.
Por 6 dias o vento se manteve constante, entre leste e nordeste, e voltamos a fazer boas singraduras, sempre em orça.
Tivemos dois momentos com baleias, mas não conseguimos fotografar. Na primeira aparição, o Cesar estava puxando um peixe na linha, a 3 metros do barco, pelo través de boreste, uma rabanada de baleia que mergulha e emerge novamente exatamente na popa, onde corria a linha com o peixe. Provavelmente ela levou um susto com o barco e nós com ela, e o peixe que estava na linha fugiu, com isca e tudo.
A segunda ocorrência com baleia, estava já escurecendo, ela veio da popa e começou a seguir o barco, como fazem os golfinhos. Aparecia ora na proa, ora num bordo, ora noutro, voltava para a popa. Ficou conosco por uns 15 minutos. Já estava me deixando preocupado. Aí percebemos que havia escurecido e não tínhamos acendido as luzes de navegação. Foi só acender as luzes e o bicho sumiu. Acredito que tenha confundido o  barco com algum dos seus. Quem sabe até se não estava procurando um parceiro.

 No final do 22º dia de navegação o vento começou a dar mostras de que ia morrer. Estávamos com 75 horas de motor até então e isto nos dava ainda uma boa reserva de diesel.
Estávamos a 120 milhas da chegada. Decidimos então tocar no motor por toda a noite e aguardar um vento favorável no dia seguinte.
Pela manhã o vento entrou de sudeste e poderíamos velejar numa orça suave, mas resolvemos acelerar e seguir num motor-sail (vela+motor), e tentar chegar naquele mesmo dia, antes do anoitecer, pois o tempo poderia virar e entrar outra frente fria.
No meio da manhã já tínhamos a silhueta da ilha Flores na nossa proa.

A medida que a ilha se aproxima, a tripulação vai ficando excitada e busca fazer os registros fotográficos de maior efeito.

A ilha é de origem vulcânica e tem 960 metros de altitude. Brota do fundo do oceano com 4.000 metros de profundidade. É imponente e coberta de verde.

Alguns aglomerados de casas brancas com telhados vermelhos. Nas encostas, apesar de íngremes, muitas plantações. A distância parecem vinhedos.

Contornamos a ilha pelo seu lado sul, ainda no esperança de conseguir pegar o primeiro peixe da viagem.

Passamos defronte a Vila das Lajes, baixamos a vela grande, contornamos o molhe do porto, ...

adentramos na área protegida da marina e atracamos num pier. Eram 17:30, exatamente a hora que partimos de Saint Maarten, 23 dias atrás.

Na ancoragem conversamos com Alfredo (espanhol) e Andreas (Frances) de um barco atracado na nossa frente. Estão há dois dias aqui, e voltam de uma volta ao mundo de 2 anos. Meia hora depois vieram nos convidar para ir comer um pargo que estava saindo do forno. Foi melhor do que termos pescado algo.
Conversamos bastante, tomamos duas garrafas de vinho e fomos dormir uma noite sem turnos. Que maravilha!

Na manhã seguinte, acordamos era já 11:00 horas. É que nossos relógios foram adiantados 3 horas, para o horário dos Açores.
Demos entrada na marina e fomos encaminhados para uma outra vaga. Começamos a colocar o barco em dia, lavar roupas, secar velas, lavar o convés para tirar o sal acumulado, etc...
A marina é pequena e muito bem abrigada por diques de concreto de uns 5 metros de altura. Foi construída em 2011, com piers flutuantes. A princípio achamos os diques exagerados mas nos disseram que no ano passado ondas o alcançaram.

A marina está junto do pequeno e organizado porto, que abastece a ilha e escoa seus produtos agrícolas.

A entrada para a marina se faz por bem junto do morro, defronte ...

uma pequena praia formada por pedras vulcânicas. Aliás acho que por aqui não existem praias de areia.

O porto e a marina são também o apoio dos pequenos barcos pesqueiros que saem diariamente e voltam no fim do dia com o pescado. A ilha parece muito piscosa. Compramos dos pescadores 3 bonitas postas de choupa - um peixe pescado a 400 metros de profundidade, tipo o nosso cherne.
Fritamos duas para uma refeição e guardamos a maior para uma moqueca. Uma delícia!

No dia seguinte estávamos prontos para investigar a ilha e conhecer os seus encantos.
Subimos a lomba da vila e do alto fotografamos nosso porto.
Pelo pouco que vimos, até agora, vamos gostar das Flores, mas só vamos abordá-la em nossa próxima postagem que esperamos, seja mais fácil, pois esta nos custou algo como 3 vezes mais tempo do que o normal, devido a lentidão da internet que é por via satélite.
Há que se entender afinal, pois estamos ainda no meio do Oceano Atlântico, a 2.500 milhas da América e 900 milhas da Europa.
Até a próxima!

9 comentários:

  1. Parabéns mais uma vez pelo sucesso desta etapa e pela ótima narrativa no blog. Olhando daqui, tudo parece ser simples e fácil, mas 23 dias sem ver a terra deve ser uma experiência e tanto. Aquelas postas fritas deram água na boca! Abraço aos aventureiros. Maurício Carneiro.

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  2. Parabéns aos dois! Tudo certo na travessia, o spot funcionou direitinho e nos manteve atualizados, o que nos deixou tranquilos o tempo todo. Bons pensamentos, muita torcida, orações e vela acesa todo o percurso(herança da vó Jacy). Agora, o velho continente, aguardamos notícias novas.
    Comemorem o feito, pois eu aqui, tão logo melhore de uma gripe inoportuna, vou brindar com um bom vinho tinto, quem sabe Português, pois pois. Abraços, Renise

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  3. Hai comandante
    Show de bola, do calor do caribe para um frio do caraco, pelas roupas deu pra sentir, o César é padeiro de prima, o peixe na frigideira...divino, pena que ainda não aprenderam a pescar...kkkkkk, e a isca era boa...estamos na torcida e agora é só comemorar a chegada na velha Europa com vinhos "nacionais" hehehe.
    Um grande abraço
    Betinho Burigo

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  4. Prezado Comandante!
    Meus cumprimentos a você e ao César por mais este grande feito. Afinal, não é todo dia que se atravessa um oceano à vela e, se sai tão ileso do outro lado.
    Belo relato da travessia e, o que é muito importante, documentado com formidáveis imagens fotográficas . Pareceu-me falta de prática ou material mais adequado para brigar e embarcar um daqueles peixões.
    E o Firulete demonstrou mais uma vez que é de boa estirpe. Sobre o baby stay quebrado, são se preocupe. Eu retirei do Trimado à 14 anos e nunca mais recoloquei.
    Boa estadia, bons vinhos e um ótimo verão que logo, logo estará acontecendo sua chegada por ai.
    Um grande abraço
    Luiz V. Cordioli



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  5. Parabéns Grande Comandante! Bela travessia e ótimo relato. Acompanhei diariamente pelo spot e cumprimento também o Firulete, este é dos bons.

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  6. Tio, finalmente descobri o seu blog. Parece que a trip ta demais, to adorando as fotos! Aproveita tudo aí! Beijão, Natália Pirath

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  7. Amigos, só para lembrar que hoje, 6 de junho, é dia de São Marcelino Champagnat e São Norberto...sempre bons companheiros! Abraço. Maurício Carneiro.

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  8. Comandante MORB E CESAR
    Parabéns pela bonita aventura e grande desafio. "OS PRIMEIROS CRICIUMENSES A ATRAVESSAR O ATLÂNTICO À VELA".Forte Abraço.

    Bons Ventos
    Guego

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  9. Dai capitão... parabens pela travesia, olho o blog sempre que posso e fico muito orgulhoso de vocês. estes 23 dias não devem ter sido fáceis, mas acho que avistar terra depois disto deve ser uma glória. abraço Rodrigo Mattiello

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