quarta-feira, 5 de junho de 2013

Projeto Volta Atlântico - Etapa 13 - "Pra não dizer que não falei das Flores"

Parafraseando o nosso cantor e grande compositor Geraldo Vandré, preso e exilado pelo regime militar, e que marcou a minha geração, falo aqui das Flores. Uma das nove ilhas do arquipélago dos Açores. A mais ocidental delas, portanto o extremo oeste da Europa. Estamos encantados com sua beleza e tranquilidade. Tem quase 4.000 habitantes, espalhados em duas vilas (Lajes e Santa Cruz) e 11 freguesias (que são pequenos vilarejos), com a principal atividade rural. A ilha, de formação vulcânica, chega a 911 metros de altitude e é bem acidentada. Toda coberta por verde, tem o solo muito fértil, com muitas plantações e pastagens. Uma população de muitos velhos e poucas crianças.
Recebem muito bem e tem um carinho especial para com o Brasil e os brasileiros. Nos sentimos em casa, principalmente porque, depois de 6 meses no Caribe, voltamos a poder nos comunicar em português. Que maravilha!

Depois de 2 dias ajeitando o barco e vivenciando o espaço da marina e dos veleiros e suas tripulações, que como nós estão em travessia, entramos no ritmo de turistas.
A única ancoragem da ilha fica aqui, na Vila das Lajes.  Do centrinho tem-se esta vista do porto, que permanece como que guarnecido pelos canhões de outrora.

Se desenvolve numa encosta e ...

 e orgulha-se da sua posição geográfica.

Tem um belo farol, que está dentro do espaço urbano.

Urbano em termos, porque todas as casas tem o seu quintal, suas galinhas, e algumas até ovelhas e vacas.

Saímos caminhando, para tirar a ferrugem que sentíamos nas juntas. Depois de 23 dias confinados no barco, sentíamos a atrofia do corpo. Uma paisagem bucólica e os sons apenas de galos cantando e alguns mugidos distantes. Que paz!

Caminhamos até a freguesia chamada Fazenda, onde a igreja badala o sino a cada hora, e ...

 tem na fachada os charmosos azulejos portugueses, bem artesanais.

A igreja estava aberta. Entramos e depois de alguns minutos apareceu o padre. José Alves Trigueiro, natural daquela comunidade e muito simpático. Apesar do Cesar esquecer de tirar a vizeira para entrar na igreja, nos recebeu muito bem. Falou de todas as imagens expostas e o que representavam. Nos presenteou com um belo livro, da sua autoria, com fotos e comentários das principais atrações das ilhas Flores e Corvo.

Voltamos para a marina no final da tarde. Chegaram novos barcos e já está lotada. Alguns ficaram de fora por falta de espaço.

Esta partindo um grande veleiro de 3 mastros, dizem ser um navio-escola. Ficou pouco tempo e do lado de fora, nem conseguimos vê-lo direito.

Na marina há uma lancha que nos lembra nosso vô Augusto, pai de nossa mãe. Um grande pescador. Acho que foi com ele que comecei a gostar do mar.

Nos Açores tem uma tradição que é a de os barcos que por aqui passam deixarem um registro pintado no muro da marina. Embora esta só tenha 2 anos, seus muros já contém dezenas destes registros.

Selecionei algumas, mais elaboradas.


Aqui a do Veleiro Flyer. Subiu o litoral brasileiro conosco, em 2010, quando fizemos o Costa Leste, promovida pela ABVC (Associação Brasileira de Vela de Cruzeiro). Quando chegaram em Natal, decidiram que não voltariam e subiram para o Caribe. Depois de passarem por aqui, entraram no Mediterrâneo, e só voltaram para o Brasil em 2012, com muita história pra contar. Tanto que deram uma palestra na ABVC.


O Cesar foi conversar com um pescador que estava chegando do mar. Ganhou uma cavala e chegou feliz. Acho que está virando pescador do seco.

No dia seguinte, saímos cedo para fazer um tour pela ilha, de ônibus, só que no domingo não funcionam. Decidimos então por um roteiro a pé. Passamos por um pátio, no alto do morro, onde dois veleiros repousam sobre caixas de concreto, a uns 200 metros acima do nível do mar. Acreditamos ser um depósito para onde trouxeram os barcos aqui abandonados. Provavelmente o fim da linha de velejadores que tiveram problemas. E aí ficamos imaginando o que teria acontecido, que histórias estes barcos guardam, por onde devem ter passado? De qualquer forma parece um triste fim, estarem assim amarrados, enquanto foram feitos para a liberdade.

Seguindo nossa caminhada, tomamos uma estrada que nos levaria as lagoas de altitude, que são famosas.

A medida que subíamos, a vila ia ficando menor ...

e a paisagem mais bonita. Todo aquele verde tendo como pano de fundo a vastidão do oceano. Mas o dia estava um pouco acinzentado, o que aliás parece ser o mais comum por aqui.

A medida que íamos subindo a vegetação se modificava. Parecia já um cenário serrano.

   
A umidade aumentava e a serração fechava. Os barrancos eram cobertos por uma espessa camada de uma forração aveludada em vários tons.

Estávamos já a quase 600 metros acima do nível do mar. Passávamos pelo Pico do Touro e apareceu um touro no pico, que ficou nos olhando com cara de poucos amigos. A sorte é que tinha um barranco que nos separava, e eu ainda estava com uma capa de chuva vermelha.

Depois de muito andar, encontramos os lagos - Caldeira Rasa e Caldeira Funda, mas ...

quando chegamos no mirante a cerração fechou de vez.

Ficamos aguardando uma abertura e o máximo que conseguimos foi esta visualização da Caldeira Funda.

Seguimos a estrada que agora só descia e então conseguimos uma visualização já mais limpa.

Descíamos agora em direção ao mar, cujo azul se fundia com o céu e a linha do horizonte era imperceptível. Lá embaixo, a freguesia do Mosteiro.

As freguesias (pequenas comunidades) são sempre iguais. Casas brancas com telhados vermelhos, contrastando com o vasto cenário verde, em vários tons.

As que não são brancas, são as mais antigas, todas em pedra. A harmonia com a paisagem é total.

Do Mosteiro seguimos uma trilha, um antigo caminho da época da colonização, ...

que passa por antigas propriedades, definidas por taipas e pequenas casas de pedra, mas quase todas abandonadas.

O visual da trilha vai intercalando o horizontal da água, ...

com o vertical dos morros.

Aqui a Rocha dos Bordões, uma escultura natural.

Sem palavras, as imagens falam por si. A trilha era sinalizada por esta marca em amarelo e vermelho.

Chegamos na freguesia do  Lajedo. Agora só faltam uns 7 km para voltar até o barco. Ao todo caminhamos perto de 25 km no dia, com muito sobe e desce. O cansaço não era nada, perto da emoção pela beleza do que vimos.

Ainda sobrou um tempinho para terminar de instalar a nova luz de proa no Firulete, pois já estávamos sem luz de navegação.

No dia seguinte, 2ª feira, levantamos cedo e fomos então fazer o nosso tour de ônibus.
A noite, chegou um pequeno navio que faz a ligação entre as ilhas do Açores. Transporta pessoas e veículos.

Fomos até a vila de Santa Cruz. Uma cidadezinha um pouco maior de a das Lajes, onde estamos atracados.

Demos um rápido "rolé" pelo centrinho e ...

descemos até o pequeno porto, onde a vila nasceu.

Depois caminhamos pela orla. Ao fundo, a ilha do Corvo, a menor dos Açores, com uma vila de apenas 450 habitantes. É a única ilha do arquipélago que se avista das Flores, porque as demais ficam a mais de 100 milhas daqui.

Tudo é muito bonito e as máquinas fotográficas não param.

Passamos então pelo museu Fabrica da Baleia, que ainda está sendo instalado.

O Cesar encontrou o guarda e pediu para entrar e fazer umas fotos. O senhor, além de permitir, deu uma completa explicação sobre o processo. Em 1981 foi o último abate feito. Em caldeiras de autoclave produziam o óleo de baleia. Da carne e ossos faziam uma farinha que servia de adubo e ração para animais.

Continuamos pela orla e descobrimos umas piscinas naturais onde concretaram uns decks para estar. Já que não tem praia, eles fabricam. Mas não vimos, em toda a ilha, em nenhum momento, alguém na água. Acho que porque ainda estamos na primavera.

No dia seguinte, pegamos o ônibus e fomos para o lado oeste das Flores, até a freguesia da Fajã Grande. Fajã são pequenas planícies, próximas do mar, formadas pela erosão da rocha.
Como em toda a ilha, o solo agricultável e dividido pelos currais. São espaços formados por muros de taipa. Estes muros são o empilhamento das pedras do solo a ser plantado, e servem para conter a erosão e manter a umidade. Resultam num desenho de muita beleza.

Junto do mar, um pequeno portinho e uma praia de tombo, toda com seixos.

No mais, é lava vulcânica desenhando a orla.

A freguesia se assemelha às demais, com casas brancas de telhados vermelhos, ...

algumas casas em pedra, e aqui algumas que são um misto. De pedra, mas semi-rebocadas, ficando aparentes só as pedras maiores, eliminando desta forma a infiltração da chuva.

Um pouco adiante, a freguesia da Ponta da Fajã. Uma pequena comunidade, ...

exprimida entre o mar e o morro, de onde descem algumas cachoeiras em véu.

Seguimos para o lado oposto, em direção a freguesia da Fajãnzinha, ...

por uma antiga estrada, murada com taipas altas. Uns 3 metros de largura.

No caminho, um conjunto de umas 15 casas, todas em pedra, com jardins muito bem cuidados.

Entrei numa delas, que tinha uma placa Recepção, e descobri que era uma antiga vila que foi restaurada e virou uma hospedagem. Pelo jeito, para turistas endinheirados e excêntricos.

Na saída, encontrei a placa, e descobri que, como vim pela trilha, entrei pelos fundos.

Seguindo, agora pela rodovia, pois a trilha estava interditada por um caimento, entrei num caminho que ...

chegou até o lago formado por uma sequência de cachoeiras.

Um lugar de tanta paz que a água, nas cacheiras, pareciam cair em câmera lenta.

Voltando para e rodovia, em seguida encontramos um moinho d'água. Datado de 1862, e ...

ainda em funcionamento. Mantido pelo município, faz a farinha de milho com o milho que a comunidade leva, ou seja, uma atração turística com função comunitária.

Pelo porão se podia ver o caminho da água e o mecanismo de rodas com pás que acionavam a de pedra.

Retomamos a trilha e chegamos na pequena freguesia denominada Fajãnzinha, onde pegamos o ônibus de volta para Lajes das Flores.

Passamos no mercado, onde fizemos a maioria das compras durante a estada aqui na ilha. O Cesar fez uma boa amizade com o Armênio (no centro) dono do mercado e de um vasto bigode de portuga. Na foto ainda o sogro e a Daniela, uma simpática brasileira (de São Paulo) que casou com um florentino e mora aqui já há uns anos.
O Armênio, além de nos levar de carro com as compras até o barco, ainda nos presenteou com um bom vinho português.

Bem, está chegando a hora de partir para o mar. Consultamos a previsão de vento e resolvemos partir amanhã. Fizemos o acerto com a marina, onde pagamos 12 euros por dia, o que é um preço bem razoável, considerando que inclui água e energia.
Fizemos o nosso registro no muro, bastante simples, e ...

partimos para um último passeio, até  a Fajã Lopo Vaz. Fica no pé do paredão que tangenciamos  
de barco, no dia da nossa chegada na ilha.

Uma caminhada de uns 4 km, onde passamos por uma trilha muito radical e bem cuidada.

 
Descemos uns 300 metros, até chegar na praia (de seixos), muito confortável para deitar, tem até travesseiro.

O Cesar nadou na água gelada.

Quando saiu, seu coração tinha virado uma pedra, e ...

com tanta fome que comeu um boi.

Um lugar remoto, entre o paredão e o mar. O som dos pássaros com o dos seixos, no quebrar da onda. Um lugar para guardar na memória e ir degustando no tempo.

Na volta, depois de subir toda aquela encosta, o Cesar ainda estava animado para subir até a pedra do Frade.

Foi até lá - altitude 476 m - e eu voltei para o barco para fazer o almoço. Quando terminamos de almoçar era 7:00 da noite (que aqui ainda é dia, pois anoitece as 10:00).

As Flores nos impressionaram muito. Que lugar maravilhoso. Pensávamos em ficar uns 3 dias e acabamos ficando 9.

Descobri que, de madrugada a internet funciona rapidinho. Varei a noite e consegui fazer esta postagem com todas as fotos selecionadas. O mais difícil foi fazer a seleção, pois eram muitas fotos de alto nível.

Está amanhecendo, daqui a pouco vamos para a ilha de Faial, de onde sairá a próxima postagem.
Até lá!



11 comentários:

  1. Comandante Norb e Cesar
    Agora em diante será somente vela e flores ....Que ruim ei....Aproveita bastante
    Forte Abraço

    Bons Ventos

    Guego

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  2. Hai comandante
    Show de fotos, parece um lugar em que o tempo parou, muito bonito lugar, o registro mostra que pegaram um peixe....do barco do portuga...kkk,continuamos de sentinela no rastro do firula, já tão tomando vinho nacional...show.
    Grande abraço
    Betinho Burigo

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  3. César e Norberto,
    Se Camões estivesse vivo, certo escreveria um outro épico poema em homenagem a vocês, pois é extraordinário o que estão a realizar.
    Parabéns.
    E muito obrigado pelas belas imagens emolduradas por textos tão bem escritos.
    Alberto C.

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  4. Show de bola pai!!!
    Curti muito a postagem, com um pouquinho de pezar por não estar com vocês.
    Espero a próxima postagem de Faial...

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  5. As fotos estão muito legais. Abraços pros portugas e aproveitem o vinho! Vitor Mellilo.

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  6. Que Deus sempre os acompanhe e continuem jogando xadrez porque ja estou com saudades de dar uma surra no Cesar.
    Abraços.
    David.

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  7. Este lugar consegue transmitir atravez das fotos, uma grande harmonia, paz e beleza exuberante. Desejo que toda as ilhas dos Açores, sejam belas e encantadoras quanto esta. Aproveitem cada momento. Abraços. Renise

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  8. Um grande abraço ao amigo César e pessoal do Firulete. Boa viagem a toddos. Nilcéia;

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  9. Norberto, em recente viagem turística conheci e adorei 4 ilhas dos Açores.
    O registro de vcs na ilha das Flores me deixou extasiado. Maravilha de local. Com calma quero curtir as outras ilhas.
    Não quiseram encarar a do Corvo?
    Grato por compartilhar!

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  10. Com o registro de vcs posso dizer que já visitei 5 ilhas dos Açores, ahah..

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  11. Norberto, em recente viagem turística conheci e adorei 4 ilhas dos Açores.
    O registro de vcs na ilha das Flores me deixou extasiado. Maravilha de local. Com calma quero curtir as outras ilhas.
    Não quiseram encarar a do Corvo?
    Grato por compartilhar!

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