sábado, 21 de setembro de 2013

Projeto Volta Atlântico - Etapa 19 - Espanha e Marrocos.

Entramos na Espanha com o propósito de curtir a costa, entrando no Mediterrâneo e indo até onde desse, por 20 dias, quando começaríamos a voltar, passando pelo Marrocos, Madeira e Cabo Verde.
Nosso plano é atravessar o atlântico, de volta para o Brasil durante o mês de outubro que é quando encerra a estação de ciclones. Nosso compromisso de chegar em casa é de início de dezembro, para a festa dos 80 anos da dona Aracy, que é a mãe de toda a tripulação do Firulete.
Só que, como verão no decorrer da postagem, os planos tiveram que ser alterados. Como nossa viagem é tocada a vento, estamos já acostumados a ir para onde dá, e as mudanças de rumo são só novas oportunidades de vivenciar o inesperado, que as vezes é surpreendente.

Saímos de Vila Real rumo a Cádiz, mas resolvemos entrar na barra dos rios Odiel e Tinto, onde um longo molhe protege a entrada de navios até um polo petroquímico.

Logo na entrada fica a cidade de Mazagón, com um ótimo local para ancoragem.

Uma marina, com um imponente prédio estava do nosso lado, mas como só vamos pernoitar, decidimos nem entrar.

Já ancorados, se aproxima um windsurfista e começa a lançar uma linha n'água.

O cara tinha uma pequena vara de pesca, com carretilha e fazia pesca de currico com a prancha. Desta eu ainda não tinha visto.

 Era já fim da tarde, o poente estava magnífico, e o cara devia estava determinado a pescar sua janta.

O por do sol foi raro. Um dos poucos que tivemos onde o sol não mergulha no mar, pois estamos num rio. Ainda passa um veleiro para compor com o esplêndido quadro.

No dia seguinte, chegamos em Cádiz, com um forte vento de leste. Resolvemos ancorar na frente da cidade, onde tinha mais um veleiro e uma lancha abrigados. Horas depois os dois se foram e ficamos ali sozinhos, mas o lugar era bem protegido e deixamos para ir para a marina no dia seguinte.
 
De onde estávamos a cidade era toda fortificada e bem na nossa frente um bonito prédio, com cara de hotel.

 O por do sol foi outro show, só que hoje mergulhou no mar.

Na manhã seguinte, levantamos ferro e circulamos a muralha, com pretensão de irmos para dentro da enseada, onde fica o porto e uma marina, só que o ventão continuava forte e atingia justamente a enseada. Desistimos e voltamos para o nosso pouso, que embora em mar aberto, tinha a muralha e a cidade como anteparo para o vento.

Como sentimos segurança na ancoragem, saímos de bote, contornamos um antigo forte, chamado Castillo de Santa Catalina, e demos na Playa de la Caleta, onde deixamos bote e motor acorrentados,...

e saímos para a investigação de terra. Gostei do barzinho enfrente a praia. Feito em chapa de ferro, em formato de barco e com o nome Quilha.

O imponente Castillo de San Sebástian, construído sobre pedras afloradas no mar, fica logo ao lado do Santa Catalina, com a Calheta no meio.

O dia estava bonito e não resistimos a percorrer a orla. A cidade se debruça sobre o mar, com a antiga muralha reforçada por enormes blocos de concreto, onde o mar se faz mais violento.

Conseguimos um mapa turístico e seguimos uma rota recomendada. Passamos pela imponente Catedral, ...

espaços públicos mesclando o antigo e o contemporâneo, ...

o Mirador 1812, que comemora a 1ª Constituição Espanhola, quando representantes de todas as regiões da Espanha, reunidos em Cádiz, sob a luz da recente Revolução Francesa, redigiram o documento que guiaria a nação, dentro dos novos preceitos de direitos ao cidadão.

E seguimos nosso tour a pé, que é a melhor forma de conhecer, investigar e fotografar.

A Casa de Íberoamérica, ...

o Centro de Arte Flamenca, ...

o Barrio del Populo, ...

a Plaza São Juan de Dios, ...

e assim esquadrinhamos Cádiz, indo encerrar no Parque Genovês, que fica ...
 
do lado do Hotel Parador, ...
 
defronte de onde o Firulete está ancorado. Com a maré baixa, as pedras que afloravam próximo e já nos deixavam receosos, agora se mostram uma verdadeira armadilha. Mas estamos em 6 metros de profundidade com 30 metros de corrente 8mm e âncora de 15 kg. O Firulete tá tranquilo.
 
 Ainda sobrou tempo para visitar o Castillo Santa Catalina.
 
No seu interior, uma exposição de cerâmica de alto nível, com peças inspiradas em formas marinhas ...
 
intercaladas com alguns poemas sobre o mar, donde destaco este, do Garcia Lorca.
 
Há vários espaços com várias mostras de arte.
 
De vez em quando dou uma espiadela na maré, que continua baixando.
 
Daqui o Firulete parece já estar montado numa pedra.
 
Cada vez mais as pedras afloram. Parece que o mar está recuando. Observem um casal que saiu da praia e foi curtir a piscina natural formada.
 
Olho para a Praia da Calheta e, as canoas que antes flutuavam estão todas assentadas numa grande laje.
 
Numa das exposições que visito há uma bela maquete, toda em madeira, com a parte histórica da cidade de Cádiz em detalhes. Aqui se pode ver que a ocupação é total, no maciço de pedra que forma uma espécie de ístimo. A cidade está socada neste território linear, que mede 1 a 1,2 km de largura e quase 5 km de comprimento, e só não é ilha porque se liga pela estreita extremidade.
 
Sua ocupação remonta aos fenícios. Aqui um capitel fenício encontrado data do século VII a.C., ou seja de 2.700 anos atrás.
 
Aqui um outro achado, esculpido em pedra, mostra que os fenícios aqui chegaram com barcos a vela e remo, apesar de acreditarem que o mar era habitado por enormes dragões marinhos. 
 
No fim do dia, chegamos no bote, que ficou na praia, para voltarmos para o barco. A maré alta ocorreria a meia noite. Tivemos que encarar uma boa caminhada, levando o bote + motor no braço, pelo fundo seco do mar, até encontrarmos os 40 cm de profundidade que é o que cala o bote. Mesmo assim tivemos que dar uma grande volta para contornar obstáculos rochosos.  
No dia seguinte, voltamos para a cidade, mas combinamos a volta com a maré em meio.
 
Percorremos mais alguns points turísticos e fomos tratar da prorrogação do nosso visto de turista para a Europa. Quando entramos, pelos Açores, o recebemos para a Comunidade Europeia, com 90 dias de validade. Tínhamos a informação de que, uns dias antes do vencimento, teríamos que tratar da sua prorrogação. Tentamos fazer isto antes de sairmos de Portugal, mas lá nos informaram que esta prorrogação só seria válida para o território português, e que~, se íamos para a Espanha, que fizéssemos lá. Só que, aqui não existe esta prorrogação. Tomamos um susto. Como bons brasileiros, tentamos achar um jeitinho, mas as autoridades foram taxativas: Só saindo da Europa e voltando daqui 90 dias. Deixamos a polícia, muito decepcionados, e com os planos em cheque mate.

Tínhamos ainda o compromisso de recarregar o botijão de gás de cozinha. Outra novela. A cada país muda o sistema, e aqui negaram recarga para o nosso botijão. A sorte que encontramos um lojista, muito gente fina que nos emprestou um belo botijão de inox e um registro padrão. Pegamos um taxi e fomos numa gasolineira para troca-lo por um cheio. Depois de rodar vários postos, achamos um, já quase na saída da cidade, que trabalhava com as garrafas de inox. Levamos o dito botijão para o barco e fomos fazer a transferência do gás, para a nossa garrafa de fibra. Estamos já doutores em gás e tenho no barco, um arsenal de conexões para esta operação. No fim tudo deu certo. 
 
Depois da segunda ida em terra, desistimos do caminho pela praia, pela dependência da maré. Adotamos então um atalho. Resolvemos então escalar a muralha, bem na frente da nossa ancoragem.
Levamos um cabo e escalamos o muro da fortaleza. Uma beleza, dali para frente virou nosso caminho. Já andávamos com um cabo pendurado na mochila, como alpinistas.
 
A noite, traçamos nossos novos planos. Desistiríamos do Mediterrâneo e da Espanha e em troca íamos curtir o Marrocos. No dia seguinte, estávamos já empolgados com os novos planos. Voltamos na polícia e demos nossa saída da Europa, restando ainda 4 dias (dos 90) para torrarmos nas Canárias, que também é território espanhol. Fizemos algumas compras de alimentos, que na Espanha estavam baratos, içando por cabo, e levantamos ferro, rumo a África.
Durante os 4 dias que ficamos em Cádiz ventou muito forte. É um vento famoso no verão e que se chama Levante. É típico do estreito de Gibraltar e arredores. Mas nossa ancoragem foi perfeita e bem abrigada.

Como não queria cruzar o canal de Gibraltar de noite, por causa do intenso movimento de navios, ancoramos em Barbate. Uma cidade da Espanha com um bom espaço para ancoragem, abrigado pelo molhe de entrada do porto.

No outro dia, cruzamos o canal, com mar liso e pouca neblina. Passamos tranquilos por alguns cargueiros e, no meio da tarde já tínhamos pela proa Tanger, cidade do norte do Marrocos.

Nos dirigimos para o espaço do porto, mas não havia um lugar para veleiros, além de estar superlotado de barcos pesqueiros.
 
Abortamos o porto e decidimos ancorar defronte a praia, mas descobrimos dentro de um molhe em obra, um veleiro de bandeira turca ancorado.
 
Jogamos ferro ali e esperamos alguém vir reclamar. Fomo conversar com o casal do veleiro vizinho. O inglês do César, nestas horas salva a pátria. O casal estava chegando do Mediterrâneo, iria fazer o Marrocos, descer para Canárias e dali para o Caribe. Já navegaram o Marrocos e nos deram muitas dicas da infraestrutura para navegantes nesta orla.

Nossa primeira pisada em solo africano, foi indo de bote, até o porto, atrás de diesel. Já deu pra perceber que a comunicação vai ser difícil. O pessoal fala árabe ou francês. É raro encontrar alguém que compreenda o espanhol. Mas encostou em nós o Hassan, um rato de porto, que aborda turistas embarcados e oferece ajuda. Saímos com ele e as bambonas atrás de posto. O diesel do porto é só para os pescadores. Tivemos que ir de taxi até um posto de combustíveis. O Hassan foi muito simpático e nos deu várias dicas sobre o dirhan (moeda corrente que vale 0,33 reais, ou 0,11 euros) e sobre a cidade.

Fomos então para nosso primeiro tour. Deixamos o bote na praia, defronte uma escola de vela que funciona numa tenda árabe.
 
A praia, cheia de gente, mas as mulheres com seus trajes e lenços. As nossas brasileiras da orla poderiam vir fazer um estágio por aqui. Arrombariam.
 
Percorremos parte da orla. Entre os prédios e a praia, uma larga faixa de praça com uma avenida. Muitas bandeiras do Marrocos, dando um contraste colorido com a paisagem. É realmente uma bandeira muito bonita, num vermelho-cereja com uma estrela verde-escuro.
 
A maior parte da orla é moderna. A parte antiga fica no alto, defronte o porto e é toda murada.
 
Neste out-door, descobrimos que ancoramos dentro dos molhes onde será a futura marina, e que está em obra. Beleza, estamos fazendo uma pré-estreia. Ali passaram por nós umas brasileiras alegres, tagarelando.
 
O César fez uma abordagem e ganhou as três. Só que veio um marroquino (guia) de lambuja.
As meninas, muito simpáticas são: Tathiane (SP), Patrícia (Fpolis) e Giovana (Blumenau).
 
Subimos então para a cidade antiga, que está dentro da fortificação.
 
Passamos por uma mesquita, onde ouvia-se muitas pessoas orando em voz alta. Não permitem o acesso e o espaço dos homens é totalmente separado do das mulheres.
 
Ruelas estreitas e labirintosas. |As pessoas não gostam de serem fotografadas e o ambiente parece meio misterioso. Um comércio que se assemelha a uma grande feira, com a loja invadindo a rua, que já é apertada. E ali a muvuca é grande. Mais parece a Torre de Babel.
 
Boa parte da muralha está sendo restaurada e parece ser muito antiga. Acho que vamos ficar devendo maiores detalhes sobre este país, pois as informações não estão acessíveis e a língua é impraticável. Nem um mapinha da cidade conseguimos.

Descemos para o porto, onde pretendíamos inicialmente atracar, é abarrotado de pesqueiros. Nem imagino como fazem para sair para o mar. Parece que os barcos foram prensados al.

Em compensação, o Firulete está lá, folgadão. O Stambul já partiu, e estamos sozinhos na enorme piscina.

Voltamos para a orla, para mais uma fotos e ...
 
na manhã seguinte deixamos Tanger, num rumo sul.
 
Navegada tranquila, mas de pouco vento. A costa da África por bombordo e o oceano, com um por do sol de cinema, no boreste.
 
As 4 da tarde do dia seguinte, estávamos defronte a Rabat, que é a capital do Marrocos. Fomos orientados a chegar aqui na hora do estofo da maré, para evitar ondas na entrada da barra.
 
Mesmo assim, o encontro do mar nos molhes assustava.
 
Entramos tranquilos. ultrapassada a boca dos dois molhes, a água já se fazia serena. Como sempre uma fortaleza faz a comissão de frente.
 
Fomos entrando pelo rio adentro, a procura de mastros, que é sempre o que nos indica para onde devemos ir. Não tínhamos carta do local, nem a carta do gps era detalhada. Fomos entrando devagarinho, como quem pisa em ovos. Um olho sempre na sonda, acompanhando a profundidade, que oscilava em torno dos 5 metros. Uns pescadores, sentindo a nossa busca, nos apontaram o caminho.
 
A marina ficava por detrás de uns prédios e por isso não a víamos.
 
Demos entrada na marina, polícia e imigração. Como gostamos muito das fotos com a luz do fim do dia, partimos logo para terra, para o primeiro reconhecimento. O rio se chama Bouregreg e divide duas cidades: Rabat e Salé, que é onde fica a marina.
 
Uma enorme praça que está cheia de gente. Parece que o marroquino vivência muito os espaços públicos. Um metrô de superfície, muito moderno liga e percorre as duas cidades.
 
Uma enorme muralha encerra a Medina (zona antiga com comércio e residências).
Esta é a Medina de Salé.
 
Entramos para o interior da Medina. A vida ali é efervecente. Gente, mercadorias, barulho,
e pelo jeito entra noite adentro. Somos assediados o tempo todo por comerciantes e alguns pedintes.
 
Ali conhecemos umas marroquinas muito simpáticas e conseguimos conversar, usando inglês, espanhol e gestos. Eram a Laila, a Houda (+ jovem), a Nezha, e as gêmeas Safe e Marwwa (no colo).
 
Do outro lado do rio, em Rabat, um prédio, totalmente iluminado se destaca na noite, ...
 
assim como a muralha da Medina que tem uma iluminação muito bonita.
 
Quando voltamos para a marina, estava aberto o stand de vendas do empreendimento (que está em obra) ao qual a marina faz parte. Um mega empreendimento, com um belo projeto, boa arquitetura e lindas maquetes.
 
Na marina, mais uns bancos para minha coleção. Estes de alumínio fundido e madeira envernizada. Muito bonitos e confortáveis. Aqui se vê muito da França, em tecnologia e design. O Marrocos pertenceu a França entre 1870 a 1956. Legou a segunda língua, e provavelmente deve manter um forte intercâmbio.
 
Ao mesmo tempo que canoas a remo atravessam o rio, transportando pessoas e coisas, ...
 
o moderno metrô cruza a ponte, movido a eletricidade e extremamente silencioso.
 
Passamos para o lado de Rabat, que é mais elevado, e de lá vemos o rio, as pontes e o moderno empreendimento com a marina.
 
No fim da tarde, muita gente contemplando o rio. Realmente eles curtem muito a rua. Acho que porque suas moradas são muito fechadas e introspectivas, onde só existem pequenos pátios internos.
 
  Fomos então visitar a Medina de Rabat, que é a cidade antiga, confinada por altas muralhas.
 
 No seu interior, o espaço é densamente ocupado, sobrando muito pouco para verde.
 
Como as moradas são vedadas para a rua, abrindo-se para espaços internos, as portas de acesso são muito valorizadas e personalizadas, pois acabam sendo a única identidade do endereço.
 
Nas estreitas vielas, eventuais largos oferecem espaços para a conversa, o chá ou café, já que ninguém por aqui parece consumir bebida alcoólica. Ainda não compreendi o que se passa.
 
Comemos uns doces, recém feitos. Além de muito bonitos e apetitosos são de fino sabor. Normalmente com amêndoas, figos ou tâmaras.
 
As construções com dois pisos é que se abrem para o exterior, e muitas tem um terraço como teto.
 
O único veículo a circular na Medina, são as pequenas bicicletas motorizadas e algumas lambretas.
 
A cada via que se passa, temos motivos para fotografar, mas parece que, com exceção do comércio, tudo o mais acontece entre paredes. É uma cultura e religião que exigem reservas e isto provoca a aura de mistério.
      
Saímos da Medina e, numa encosta que dá para o mar aberto, um enorme cemitério com túmulos todos parecidos, e tão juntos quanto as suas moradas. Pela localização e tamanho, este cemitério deve ser o mesmo, desde os primórdios da cidade.
A noite, voltamos para o interior da Medina, e corremos parte da enorme área de comércio. Acabamos não fotografando, pois as pessoas não gostam de se sentirem fotografadas. Alguns xingam e outros querem cobrar. Não deixa de ser o direito de imagem, a moda deles, e tem a ver com a cultura da reserva, que citei acima. Esta reserva está evidente na arquitetura e no vestuário. 
 
Na manhã seguinte, saímos para mais um tour por Rabat. Um veleiro entra pelo rio, empopado no vento. Bonita cena.
 
Vamos então para o lado da imponente torre que domina a paisagem. Está dentro de um parque e tudo passa por restauração, mas ao lado fica o mausoléu do rei Mohamed V, que foi quem conseguiu a independência do Marrocos. Um imponente e elegante prédio (aquele, branco, que a noite se faz todo iluminado), dentro de uma enorme praça seca.
 
 Muita riqueza de detalhes. Tudo numa harmonia e charme, que são muito típicos da cultura árabe.
 
Decidimos ir ao interior do país e conhecer um dos principais pontos turísticos do Marrocos. O César, correndo no dia anterior, teve uma pequena distensão na panturrilha, e sai de perna enfaixada.
 
 Tomamos o trem, para uma viagem de 4 horas, até Marrakech.
 
 Quando a cidade acaba, começa uma paisagem bastante árida que segue por toda a viagem.
 
O trem, muito confortável, tem cabines para 8 pessoas ao longo de um corredor. Amplas janelas permitem um boa visualização da paisagem.
 
Um solo pedregoso e arenoso. Vegetação rara e nada de água. Um território duro. Só para gente muito obstinada. As pequenas vilas por que passamos brotam de um solo que parece lunar. Algumas oliveiras, alguns sofridos e escassos eucaliptos. O principal cultivo é de figos da Índia, que é o fruto de uma espécie de cactos. Passamos também por áreas recém aradas que aguardam o fim do verão e o começo das chuvas (que não devem ser muitas), para o plantio. Próximo da chegada, passamos por uma região montanhosa, mas também com rara vegetação. Trata-se da cadeia Atlas, que corre por quase todo o Marrocos e chega a mais de 4 mil metros de altura.
 
No meio tarde chegamos na bela estação de Marrakesch. A cidade parece um oásis no meio do deserto.
 
 Avenidas retas, muito largas, com um verde exuberante, mantido a peso de irrigação.
 
 
Caminhamos nestas avenidas, que são a parte moderna da cidade. Todos os prédios mantem uma cor, que é padrão obrigatório, em tons de terra. Daí seu apelido de Cidade Vermelha. Muitos hotéis e resorts de alto nível.
 
Caminhamos por 4 km, até as portas da Medina, ...
 
 cujos muros mantem o terracota. Os jardins são muito bonitos e provam que a terra, apesar de árida e pedredosa, é boa, só que depende de água, que aqui é extraída do subsolo.
 
 
 Dentro da Medina há ainda alguns hotéis de luxo, logo no acesso.
 
 
 A característica torre, com o grande pátio seco, que aqui se chama La Koutoubia.
 
 Um eixo Verde que leva até a praça principal, que se chama Jemaa El Fna.
 
Na praça, o agito é grande. Mistura de turistas, vendedores, malabaristas, contadores de causo, músicos, encantadores de serpentes, e por aí vai.
 
A noite, o agito fica ainda maior, e aí começam a levantar fumaça e cheiros variados. Muitas tendas disputam os transeuntes para seus quitutes.
 
Numa das ruas, é o ponto de taxi, que são charretes tocadas por parelhas de cavalos. Devem ser perto de 100 charretes. O cheiro dos cavalos acaba enchendo o ar, mas acaba combinando com aquele cenário tipo medievo.
 
Não resistimos aos aromas e nos abancamos em uma tenda. Cuscuz marroquino com carneiro, legumes grelhados e o pão deles, que é uma delícia. Muitas tendas de sucos, com algumas frutas exóticas. Experimentamos a romã, mas não gostamos.
 
Depois entramos numa loja de produtos naturais, para comprarmos óleo de argan. Dizem ser o ouro do Marrocos. Existe o tipo cosmético, que é utilizado para pele e cabelos e, o tipo culinário, que é usado como o azeite. O atendente falava espanhol, e nos deu muitas explicações sobre os mais variados produtos.da terra. São mestres em aromáticos (perfumes e incensos), chás, temperos, corantes. Concluo que a vida no deserto se fez interessante pelas excências.
 
Descobrimos um hotelzinho barato, cuja entrada era por um sinistro corredor, mas que se voltava para um aconchegante pátio interno. Aí pernoitamos por um preço pechinchado. Aliás, aqui tudo é pechinchado. Os preços normalmente não estão visíveis. Quando perguntados, dependem de quem pergunta. Se você agradece e ameaça sair, eles fazem uma ladainha e vão progressivamente baixando o preço, até o ponto em que te mandam fazer uma oferta. E por aí vai. Quase sempre você acaba comprando e sai com uma sensação de que fez um ótimo negócio, só que eles também o fizeram. É uma lógica comercial totalmente diferente da nossa, que é matemática pura. Eles põe um tempero teatral. Negociam como se joga pôquer, ou xadrez. Isto parece que os excita e diverte.
 
Os taxis são todos Mercedes Benz antigos. Não sei onde conseguem tantos.
 
Uma outra torre, muito bonita, em tijolos e cerâmica na cor jade. Aliás esta também é uma cor muito usada em todo o Marrocos. Tanto na arquitetura como no vestuário. Falando em vestuário merece registrar: As maioria das mulheres usam túnicas e lenços na cabeça. Umas poucas utilizam a burca, sobre o rosto e luvas, de forma que, do corpo, só é visível os olhos, através de uma estreita fenda. São cheinhas de corpo e transparecem alegria,  inteligência, e certa sensualidade. Os olhos são sempre muito bonitos e expressivos. Já os homens, é uma minoria que utiliza as túnicas. A maioria usa calça e camisa. São magros e miúdos e tem um aspecto muito rude, perto da fineza das mulheres. 
 
Muitos terraços, nas coberturas, aproveitados como extensão de bares e restaurantes. As garças também tem seus terraços.
 
Entramos num prédio fúnebre, de aproximadamente 1600. Chama-se Tumbas Sáadiens.
 
Muitos ambientes e pátios onde os túmulos estão sobre o piso, ou lápides, todas em finos mosaicos de cerâmica.
 
Alguns arcos esculpidos em madeira ou em pedra, com um rendilhado magnífico. Observem este, formado por conjunto de pequenas abóbodas, como se focem tetos de mini capelinhas. Cada abóbodazinha destas devem medir uns 8x8 cm. Um trabalho maravilhoso.
 
 
Estas tumbas foram um achado. O acesso se faz por um corredor de uns 20 metros, por 80 cm de largura.
 
 Na saída um típico vendedor de água.
 
Dali. fomos até uma loja que nos disseram ser uma cooperativa de artesãos marroquinos. Eu procurava tapetes (tipo trilho) para levar de presente. A loja mais parecia uma joalheria, pois só se via peças como jóias. A arte da tecelagem, da cerâmica, do metal, do vidro. Tudo num requinte de acabamento só visto no trabalho oriental. O proprietário começou a mandar abrir tapetes na minha frente. Eu que não tinha a menor ideia de quanto valiam, perguntava preço, mas ele desconversava. Mandou vir o tradicional chá de hortelã (acho que para deixar o cliente bem calminho). Quando viu que eu me interessei por um em especial resolveu dar o preço - 5.800 dirham (quase R$2.000). Falei que pretendia levar 3 tapetes para mulher e filhas, mas que não imaginava que valiam tanto. Estava totalmente fora da minha capacidade tal investimento. Ele começou dizendo que para 3 tapetes daria 25% de desconto. Eu agradeci e expliquei que estava viajando a mais de 1 ano e que meu dinheiro estava chegando ao final, mas que daria um jeito de levar um presente do Marrocos para as 3. Ele me mandou fazer uma oferta. Eu recusei, pois não queria ofender a ele nem depreciar um produto feito pelas artesãs berbere, com lãs selecionadas e tinturas naturais. Naquela altura eu já estava tentando cair fora, pois vira que fui parar num meio que não era para o meu bolso. O proprietário, cheio de argumentos sobre o produto, insistiu que eu fizesse uma proposta, me passando máquina de calcular. Abandonei o meu pudor então, separei as 3 peças que me interessavam e disse-lhe que só poderia pagar 3.000 dirham (R$1.000) por tudo. Ele me olhou pensativo e, depois de uma longa pausa disse que me faria tal concessão, mandando embrulhar os tapetes. A princípio saí muito satisfeito com a minha performance de negociante, mas depois caí na real. Acho que ele também ficou orgulhoso da sua. Agora, imaginem tudo isso acontecendo numa mistura de línguas (árabe, francês, inglês, português e espanhol), para se chegar num entendimento.
  
Era já meia tarde e nosso trem de volta seria as 19 horas. A Medina é enorme e cheia de labirintos. Volta e meia nos perdíamos e logo alguém se aproximava para ajudar, muito solícitos queriam nos levar no destino, mas sempre com o intuito de cobrar pelo serviço. A gente era assediado o tempo todo. Já não aguentávamos mais tantos interessados nos nosso dinheiro. A cidade tem muito turista, mas deve ter uns 50 guias-vendedores por turista.
 
Fomos ainda na Madersa Bem Youssef, que é uma grande mesquita, ...
 
passamos por mais umas ruas, onde tudo é comércio, e ...
 
 aliviados, pulamos fora da Medina.
 
No caminho da estação, passamos pelas oliveiras Bab Jdid, que estavam carregadas de azeitonas verdes.
 Uns simpáticos camelos carregavam turistas pelo passeio no parque La Menara.
 
 No fim da tarde, chegamos na estação, exaustos de tanto caminhar.
 
Tivemos sorte, pois o trem estava bem vazio e pegamos uma cabine onde podíamos nos estarrar.
 
De trem, passamos por uma pequena cidade murada, com umas cúpulas coloridas muito bonitas.
Chegamos no barco já era quase 1:00 da madruga. No dia seguinte estávamos numa grande ressaca do intenso passeio.
Passamos o dia abastecendo e preparando o barco para saímos no anoitecer.
 
A polícia que autoriza estrangeiros e monitoram seu deslocamento pelo país, deve ter estranhado estarmos saindo a noite, pois pediram que aguardássemos um pouco e apareceram com um cão farejador para inpecionar o barco. O dito cão entrou, desceu até a cabine, e descobriu os pães que o César acabara de tirar do forno e estavam sobre a mesa para esfriar. O cão teve que ser retirado rápido porque estava babando pelo pão. Não sei se desconfiaram que o pão pudesse estar escondendo algo. Se mostraram interessados e pediram um pedaço. De qualquer forma, o ontrole que fazem por aqui parece bem sério.
 
Seguimos nossa viagem para o sul. Casablanca era um dos nossos objetivos para conhecermos, mas a informação de que é uma cidade de 5 milhões de habitantes nos fez desistir e passamos ao largo dela.
 
Na nossa segunda noite de navegação, o nascer do sol, por traz da cordilheira Atlas foi muito bonito. Depois de aproximadamente 10 horas navegando no escuro da noite, o nascer do sol é sempre muito bem vindo.
 
 No entardecer do 3º dia, estávamos com o cabo Rhir no nosso bombordo.
 
 Passamos bem perto e o dobramos, fazendo rumo a Agadir, que fica a só 18 milhas.
 
Com um ventinho suave pela popa, em plena asa de pombo, que são as velas grande e genoa, uma para cada bordo, íamos deslizando sem pressa. Chegamos defronte a cidade as 22 horas. Jogamos ferro e fomos dormir.
 
Amanhecemos com a cidade nos esperando. No morro, ao fundo, letras enormes, em árabe, que a noite eram em luz. Em terra descobrimos que dizem: Deus, Pátria e Rei.
 
Entramos então para a marina e fomos direto abastecer de diesel, pois chegamos com o tanque na rapa da goiaba.
 A marina fica dentro de um condomínio com lojas no térreo e apartamentos nos demais pavimentos.

Depois das formalidades, com marina e polícia, saímos para o orla.

Uma praia calma e com larga faixa de areia. A orla, numa extensão de uns 4 km é de calçadão, só para pedestres, e tomada por bares, restaurantes, espaços de lazer e algumas lojas. Os carros circulam por traz desta primeira faixa construída e não tem contato com a praia. O resultado é uma orla muito agradável.

Caminhei uns 2 km pelo calçadão. A lua cheia, no seu primeiro dia, disputa espaço com um pálido sol poente.
Vários hotéis nesta orla. Aqui o Club Med, que é uma maravilha. Agadir e Marrakesch são os principais pontos turísticos do Marrocos.

O clima aqui é muito agradável, o ano todo. Tem uma média anual de 24ºC. É diferente das demais cidades marroquinas que passamos, pois é uma cidade nova. Nada há de antigo. Fomos descobrir, a cidade foi assolada por um terremoto, na início da década de 60. Morreram 10 mil pessoas e a cidade desapareceu. A Agadir de hoje é toda posterior ao abalo císmico.
Toda esta região foi território dos berberes. Um povo, a princípio nômade, que com suas tendas e camelos dominaram deserto e montanhas. Eram exímios guerreiros e sabiam ser cruéis com seus inimigos. Foram os berberes que dominaram a península ibérica (Portugal e Espanha) por mais de 700 anos, lá deixando todo o legado mouro a que tenho me referido nas postagem anteriores. São a base do povo marroquino. No século IX, começaram a aparecer os árabes, vindos do Golfo, trazendo o Islamismo que aos poucos foi dominando a região.
Como estamos nas portas da nova travessia do Atlântico, nosso tempo aqui foi com muito trabalho no barco. Tínhamos uma lista de tarefas e consertos, para que o Firulete estivesse na altura do novo desafio.
A partir daqui, começa nosso caminho de casa, mais propriamente. A primeira escala será nas Canárias, onde ficaremos poucos dias, depois Cabo Verde, onde pretendo fazer a próxima postagem, daqui uns 20 dias.
Até lá então!


12 comentários:

  1. Todo dia dou uma olhada no blog pra saber das novidades. Seu texto é meu guia de viagem para quando no futuro fizer uma travessia como esta. É apaixonante descobris essas maravilhas de lugares ( os relatos do norte de Portugal foram extraordinários) tão bem descritos e fotografados. Nada de exibicionismos literários ou heroicos. Apenas o relato da primeira vista. Continuem assim e que os bons ventos os tragam e segurança de volta à casa.

    Saulo Caridade
    Itajubá/MG

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  2. tbm me apaixonei por essa belíssima narrativa e pelas imagens, tenho que para mim, essa 19º perna tenha sido a MELHOR... sábio comentário do amigo Saulo Caridade e reforço aqui a sua estima pelo post!

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  3. Um dos grandes prazeres de toda viagem é a volta.
    Que façam um feliz retorno.
    Alberto

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  4. Com a experiencia adquirida nos tres dias que passei a bordo do firulete na costa de SC, estou me candidatando a marinheiro quando chegarem mais perto, pois nao pretendo tratar os peixes por muito tempo.
    Sucesso meninada, tenho orgulho de voces

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  5. Hai comandante
    A aula de História continua shooowwwww, tu é f.... conseguiu lograr o marroquino no tapete......kkkkkkkk, um grande abraço a los hermanos e um feliz retorno
    Betinho Búrigo

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  6. Belas fotos e comentários...Siga em frente e boas correntes te tragam de volta com uma magnifica navegação...
    Forte Abraço

    Bons Ventos

    Guego

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  7. Mais uma vez, parabéns aos amigos pela excelente viagem e postagem. Estamos acompanhando tudo pelo blog e pelo Spot, inclusive a chegada às Canárias em segurança ontem. Saúde e sorte sempre! Maurício Carneiro.

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  8. parabens pelas fotos e sucesso no retorno.
    Rodrigo Mattiello

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  9. Tinha uma moça muito bonita que queria muito um tapete de um Turco. Porem o Turco não vendia por dinheiro nenhum....................
    Comandante ganhaste o TAPETE .................kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
    Bons Ventos
    Guego

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  10. Huuum, louquinha para ver meu tapete de dois mil reais (q no final saíram por 300). KKK
    A qualidade das postagens não para de melhorar, imagino quando for a volta ao mundo!
    Lindo o lugar, nunca me interessei por conhecer Marrocos, mas depois dessa postagem... vou repensar.
    Um abraço aos marinheiros.
    Estamos no aguardo.
    Bjos, Lú.

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  11. Parabens pessoal do Firulete. Acompanho o blog de voces desde julho/2010. Ótimo. Bons Ventos.
    Bernhard Martens - Velejador - Veleiro Segundo Rizo.

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  12. Querido amigo Norberto, só agora tive um momento calmo para curtir o blog. Cheguei de SC e tive que colocar a vida em dia. Foi delícia falar com vc de lá. Adorei essa etapa. Fotos lindas e sua narrativa a cada dia mais envolvente. A diversidade cultural me encanta. A arte em que se transforma um simples comercio de tapete é fabulosa. A cor parda das imagens impressionam os olhos. Os jardins quebrando a mesmice da terra-cota, somados as iluminações especiais despertam o desejo de estar aí. No entanto, pela Rê, fico feliz de que esteja de volta. Nessa minha descida, pudemos ficar mais juntas e foi muuuuito gostoso e, digamos, intrigante. Pude curtir suas crias, inclusive a Bruninha, exceto a Lola e seus pequenos. Foi bom reviver os tempos em que ficávamos juntos com a filharada.
    Desejo que a travessia seja tranquila para vc e Cesar, grandes companheiros. Que os três, vc, Cesar e o Firulete, aguentam firmes e tenham bons ventos.
    Bjão saudoso
    Sandra

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