domingo, 17 de março de 2013

Projeto Volta Atlântico - etapa 9 - Morando em Sympson Bay

Caros companheiros virtuais de viagem, acho que vou frustrá-los nesta postagem. É que estou a duas semanas ancorado no mesmo lugar. Como sempre, quando fico sozinho, não navego e tiro o tempo para investir no barco, e melhorá-lo como morada e como meio de transporte.
Sinceramente acho que gosto mais desta vida de morar embarcado do que de velejar propriamente.
A rotina do dia a dia a bordo é intensa, mas simples. Vive-se numa total sintonia com o meio, embalado pelo suave movimento da ondulação, o calor do sol, o frescor da briza, as cores do por do sol no mar, o céu estampado das noites, toda energia consumida sendo gerada pelo sol. Até as idas para terra com o bote são uma curtição.  Olha, não preciso de muito mais não. O meu projeto, com a compra do barco em 2005, sempre foi, focando numa terceira idade com qualidade de vida e com baixo custo, ou seja, ser um aposentado viável e feliz.
De forma que não visitei novos lugares e nem bati fotos espetaculares.
Para compensá-los, vou postar uma seleção de fotos que fiz a partir de uma coletânea que adquiri em Havana, do fotógrafo cubano Miguel Angel Meana Coronado, e do texto que redigi com as minhas impressões da viagem à República Dominicana e Cuba.
Acho que as fotos e o texto se complementam muito bem.
Para quem não sabe: Dê um clique sobre a foto do blog e a terá num tamanho ampliado.



Opinião sobre Cuba e República Dominicana
Por Norberto Zaniboni, em março de 2013.


Passei quatro dias em Santo Domingo, capital da República Dominicana, e quatro dias em Havana, capital de Cuba, e aqui registro minhas impressões de um turista ávido por conferir a real situação do único país latino-americano que, nas barbas dos Estados Unidos, ousou confrontar o “império” e implantou um regime comunista, alinhando-se com o bloco soviético.
De início quero dizer que sempre quis visitar Cuba, pois fui simpatizante do movimento, torci para que desse certo, e duvidava da veracidade das notícias que se tinha, dado o controle das informações que as agências de notícias norte americanas faziam.

Vivi minha juventude e formei meu pensamento político-social numa época em que o mundo ocidental se reerguia do pós-guerra, dividido em comunistas e capitalistas. O comunismo se apresentava como uma reação humanitária aos excessos decorrentes do período pós-industrial, onde o homem foi reduzido à máquina (produzir e gerar lucro).
Na América Latina, um território desde sempre sugado, formava-se um movimento de intelectuais e trabalhadores que cresceu muito rápido e chegou a um nível de organização política capaz de assumir governos. Eram forças nascidas na base da sociedade e com um embasamento teórico, a partir de teses como as de Marx e Engels (livro: O Capital), que construía o pensamento comunista.

No meu quintal de casa, uma região de economia extrativista mineradora, onde as relações de trabalho são mais extremas e a pirâmide social mais vertical, o sindicalismo é sempre forte. Isto eu vivenciei desde a infância e muito marcou minha experiência de vida.
Ocorre que todo este movimento político-social, em toda a América Latina, esbarrava no fato de que éramos apadrinhados dos Estados Unidos e considerados sua área de interesse. Todos os governos da América Central e do Sul deviam e prestavam contas a Casa Branca. Eram governos elitistas, alguns populistas, alguns ditadores, mas todos pediam a benção a Washington.

Num descuido, Cuba, que há anos sofria com uma ditadura pesada, foge do controle e pela via armada-revolucionária toma o poder.
Para sobreviver, alinha-se ao bloco comunista da União Soviética, que lhe proporciona guarida militar e econômica.

A partir daí, os Estados Unidos inicia uma operação de desmonte de toda a organização política de esquerda nos países onde podia influenciar, ou seja, seus afilhados, impedindo assim que o exemplo de Cuba se alastre. Em muitos países realmente era só uma questão de tempo, pois a esquerda se fortalecia rapidamente. No Brasil, o então presidente João Goularte (Jango) em 1963 (quatro anos após a vitória de Fidel Castro) tinha já um alinhamento com as esquerdas organizadas e o forte sindicalismo. Iniciou-se então o período da tomada de poder pelas forças armadas, fomentadas pelos Estados Unidos que deram apoio logístico (via CIA) e econômico (via empréstimos bancários). Todos os países da América Latina viveram esta intervenção disfarçada. Foram os chamados “anos de chumbo”.
As consequências foram semelhantes em todos os países. O aniquilamento dos sistemas político-partidários bem como das organizações sociais (comunitárias, estudantis, trabalhadoras, etc...); dossiês de ações militares e paramilitares que fizeram desaparecer milhares de pessoas envolvidas na tentativa de reagir; uma vultosa dívida junto aos bancos internacionais, resultado de contratos mal feitos e juros impossíveis de serem pagos com uma moeda fraca; sistemas de educação que não educam; e principalmente, uma herança de ausência de líderes e verdadeiros representantes do povo e o seu consequente descrédito na política, o que causará um estrago por muitas décadas mais.

Percebi que Cuba, onde a história foi escrita por outra via, também não conseguiu os objetivos esperados. O país, que é a maior ilha do Caribe, se ressente muito do isolamento econômico que lhe foi imposto. Apesar do esforço nestes 64 anos de governo revolucionário, a ilha está longe de ter seus problemas resolvidos. Pude constatar o seguinte:

·       Havana, com seus 2,5 milhões de habitantes, é um cenário nostálgico. Praticamente mantém seus prédios antigos que são habitações partilhadas por famílias há três gerações (moram pais, filhos casados, netos e bisnetos, juntos). Estes prédios não sofrem uma devida manutenção, vão se acabando. Onde ruem, não são construídos novos. A dita parte nova da cidade tem prédios de má qualidade e parecem piores que os antigos.

·       Sobrevoando o território cubano, percebi uma agricultura muito organizada, com uns 70 a 80% de aproveitamento, e uma rede viária muito bem estruturada.

·       A atividade industrial, por outro lado é acanhada. A classe média e boa parte dos intelectuais de Havana foram aos poucos deixando o país. Com a iniciativa de empreendimento só por conta do estado e sem cabeças empreendedoras, o resultado foi acanhado. O apoio logístico da União Soviética também não surtiu muito efeito, principalmente pelas diferenças culturais e estruturais, além de que o bloco Socialista logo começou a ruir.

·       Os carros dos anos 40 e 50 continuam circulando e dão um aspecto bem nostálgico à cidade. Na sua maioria foram adaptados para motores a diesel e cumprem a função de taxi. Devem representar 1/3 do total de carros circulando. Quase não há ônibus, e o transporte fica por conta destes taxis que operam coletivamente. Na parte histórica da cidade, como as ruas são estreitas o transporte é feito por triciclos (motos e bicicletas adaptadas). Outro 1/3 é de carros russos (principalmente da Lada) e o 1/3 restante de carros modernos (principalmente asiáticos).

·       Na cidade o sistema viário atende bem e não há engarrafamentos. Os motoristas são corteses, andam devagar e há harmonia com os pedestres.

·       O sistema de esgoto parece funcionar bem, pois não se percebe problemas e a água do mar é muito limpa.

·       A cidade é bem limpa (o povo não joga lixo na rua), muito segura, há muita presença policial, mas não tão ostensiva. A maioria são mulheres e não andam armadas. Dá a impressão de atuarem mais localmente. Tive depoimentos de que há poucos delitos e que são logo identificados. A presença de drogas é quase zero.

·       O povo é muito alegre, mas leva um padrão de vida abaixo da nossa média. Alegam que quem não trabalhar vai preso, mas vi muito trabalho informal e até um pouco de prostituição, talvez pela cidade estar sendo invadida por turistas. É muito turista circulando, principalmente pela parte histórica. Vêm principalmente do Canadá, Alemanha, França e leste europeu.

·       A rede de hotéis não é suficiente e bastante cara. Há muitas hospedagens domiciliares, credenciadas e fiscalizadas. Foi onde fiquei e gostei da alternativa.

·       Artigos industrializados são escassos e de aparência mal acabada. O padrão de consumo é bastante baixo.

·       O comércio é á base de pequenos estabelecimentos e não há redes nem lojas grandes.

·       O aeroporto de Havana é moderno e eficiente. A empresa Cubana de Aviação opera com aviões russos (Tupolev), um pouco antigos, mas bem confiáveis, e muito confortáveis (bem mais espaçosos que os nossos).

·       Há música por todo o lado. Bares e restaurantes têm música ao vivo, sempre grupos de Salsa. Aliás, não ouvi uma música sequer que não a cubana.

·       A TV não é tão presente nos ambientes públicos e parece não ser tão apreciada, mas elogiam as novelas brasileiras. A população vive muito a rua.

·       O principal esporte é a Pelota, uma espécie de beisebol, e é paixão nacional. Nas praças, fim de tarde, reúnem-se grandes grupos de homens que discutem por horas, em voz alta, o tal esporte.

·       Cinema exibindo uma produção cubana (Esther em algum lugar) com ingresso simbólico. Sorvete na praça com preço simbólico (quase de graça, mas só para cubanos).

·       Nas praias há pouca infraestrutura. O pessoal vai e leva o que precisa.

·       Chê é disparado o principal herói nacional, apesar de ter sido argentino, mas não percebi grande entusiasmo com o sistema de governo. Aliás, ouvi algumas manifestações (em off) de insatisfação.

·       A internet não é disponibilizada. Só existe nos Correios e nos Hotéis (para os hóspedes). Dois dos hotéis de Havana prestam o serviço, no preço equivalente de R$6,00/meia hora).

·       O discurso do governo revolucionário não evoluiu. Continua pregando a luta contra o imperialismo e a importância de se manterem vigilantes. Acho que cansou e para os mais jovens isto nada significa. Aliás, percebi mais identidade e confiança no futuro no povo Dominicano que no Cubano.
Pela República Dominicana, como não esperava muito, acabei me surpreendendo positivamente. Acho que passa por um momento de desenvolvimento e tem boa infraestrutura. Se parece bastante com a Bahia e Santo Domingo (a capital), com Salvador, inclusive na sujeira. O rio despeja muito lixo no mar, que por sua vez espalha na orla calcária . Tem um centro histórico mais bem preservado. Cultivam o fato de Cristóvão Colombo ter chegado e se fixado aqui, e mantém um bom acervo de prédios e documentos da época. Não conseguiu dar solução ao contingente de haitianos que invadiu o país depois do terremoto. São milhares de pessoas, trabalham principalmente na construção civil, mas estão na clandestinidade. Enfim o país tem enormes desafios, mas parece estar se encaminhando.
Sobre Cuba, concluo que o ato de rebeldia acabou custando muito caro, considerando as mortes, a evasão, e o resultado a que chegou até este momento. Foi com tristeza que cheguei a esta conclusão. Acho que o país precisa de um projeto de abertura e realinhamento global para poder usufruir do processo de desenvolvimento e paz que o planeta hoje respira.

Sobre o Brasil, por onde passo as opiniões são unânimes – ah Brasil? Está mui biem no? Tem Roberto Carlos, Pelé, Ronaldo, Ronaldinho, Lula!

Estas são as impressões que destaquei nesta rápida visita às duas capitais, não devem ser consideradas ao nível de um estudo aprofundado, mas senti a necessidade de registrar, devido ao número de pessoas que vão me perguntar a respeito, e para que com o tempo, eu não esqueça ou misture o que vi.

Vamos cultivar a democracia, é um caminho lento, às vezes tortuoso, mas com certeza é o que melhor conduz e menos vítima faz.

5 comentários:

  1. Norberto, li com avidez seu texto. Saiba que partilho da sua tristeza diante do diagnóstico que fez de Cuba. Conheço sua sensibilidade e por isso NÃO creio que a constatação seja fruto de uma mudança ideológica (sua). Esta é a razão da minha tristeza.
    Desejo que a encrementada no Firulete garanta uma travessia tranquila.
    Preciso confessar que estou preocupada com um fato: Como a minha amiga-irmã vai receber os netos morando embarcada? (Especialmente os "anjos" que deverão herdar as energias da Lu e do Jê. kkkk)
    Sugiro que, ao pensar em ser um aposentado embarcado, inclua a hipótese de trocar o Firulete por um transatlântico, afinal minha amiga sem os netos fica jururu e vocês dois juntos são muito melhores que a soma das suas individualidades.
    Bjo saudoso e boa âncora, por enquanto.
    Sandra

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  2. Amado Marido! Ler tuas impressões no blog, me fazem muito bem, gosto da tua forma de escrever e fico sempre a espera de novas postagens. As fotos de Cuba são lindas, quem sabem um dia retornamos juntos em alguns lugares. Beijos e bons ventos.Renise

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  3. Pai,

    Parabéns pela postagem, adorei, bem explicativa, mas continuo com vontade de conhecer Cuba...
    Sei que agora já estais com o Vitor nas Ilhas Virgens, vê se bota ele na labuta...
    Abraço,

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  4. Olá querido amigo
    Estamos "virgens" de registros.
    Chega de silencio! Conte e nos mostre
    por onde andas.
    Bjo saudoso
    Sandra

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  5. o amigo,fiquei emocionada de ler o texto.benção sem medida poder estar partilhando disto tudo.

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