quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Projeto Volta Atlântico - etapa 4a - Natal a Tobago


Esta etapa começa com a chegada de dois amigos criciumenses, que se incorporam no propósito de cruzar a linha do equador e navegar até o Caribe.
Trata-se de uma nova esperiência para a tripulação e para o Firulete, pois ficaremos por aproximadamente 15 dias no mar. Isto demanda um planejamento e infra-estrutura que só sabemos em tese, pois nosso maior período sem terra, até agora fora de 5 dias. Este trecho também será nossa iniciação para a grande travessia do atlântico norte que se aproxima.
Mas vamos por partes (como diria Jack, o extripador).

Guego e Betinho chegaram a noite. Pela manhã tiveram um desjejum 5 estrelas que eu e Rodrigo preparamos.


De cara foi desfraldada uma bandeira do Tigre (Criciúma Esporte Clube) no covés, demarcando território. Enquanto estava eu e Rodrigo apenas, o Tigre dividia o espaço com o Leão da Ilha (Avaí Futebol Clube), mas agora ganhávamos de 3 a 1.

Saímos para a cidade para resolver algumas pendências do barco (consertos e melhorias), o que aliás é uma constante. Assim os dois calouros sentem o gostinho de serem turistas, o que vai durar pouco. Na foto, na frente do Theatro que visitamos.  Depois fomos para o centro, onde compramos uma máquina para cortar cabelo...

que ao chegar no barco já foi inaugurada. Betinho pode revelar seu lado cabeleireiro. A questão é que a bordo estamos sempre procurando reduzir nossa dependência de terra, aprimorando nossa autonomia.

No dia seguinte, saímos novamente para a cidade, agora para providenciar nossos vistos de saída do país, na Receita Federal, Polícia Federal e Marinha. São requisitos exigidos ao se aportar no exterior.
E a burocracia é grande.

Na Polícia Federal esbarramos na portaria, pois estávamos todos de bermudas o que não era permitido. Como um só poderia entrar com os passaportes de todos, fomos num estacionamento em frente e aluguei (por dois reais) a calça do garagista que vestiu minha bermuda, e assim  resolvemos o problema. Como sempre, no fim, os problemas viram as histórias engraçadas.

No fim da tarde curtimos mais um pouco das mordomias do clube e íamos nos despedindo dos colegas com quem vivemos tão intensamente esta ancoragem.
Meu parceiro Rodrigo, que me acompanhou na viagem de quatro meses de 2010 e agora, desde Floripa, me comunicou sua decisão de retornar para casa, ficando ausente no período até março, ou seja, só voltando para a travessia do Açores em diante. Senti bastante sua decisão, pois afinal seria meu único parceiro para todo o Projeto Atlântico.
Como o mar nos exige muita capacidade de adaptação e estarmos sempre preparados para novas situações, procurei encarar a perda do Rodrigo como mais um desafio. Além do mais, meus novos tripulantes também me inspiravam confiança como parceiros para o que desse e viesse.

Atracamos no pier de serviço para encher o tanque (180lts.) e as bambonas (10x20lts.) de água, que seriam nossa reserva para os próximos 15 dias, considerada uma folga para mais 5 dias, no caso de alguma eventual zebra. A água, no mar, é questão de sobrevivência.

No por do sol, no happy-hour tradicional do clube, um solo de sax, desta vez num bote que esteve a 10 metros da nossa proa. Foi de arrepiar. Parecia se tratar da despedida do Firulete.

Alípio, do veleiro Bar-a-vento, com quem estávamos a contra-bordo no pier, nos serviu uma cachaça artesanal, para brindar o momento mágico.
Fomos dormir com o peso das despedidas, mas cheios de ansiedade pelo longo caminho de mar que teríamos pela frente.

Acordamos muito cedo (5:30). As 7:00 soltamos as amarras e descemos o Rio Potengí, ajudados pela maré vazante, rumo a sua foz, logo adiante.

A sensação de voltar para o mar é sempre um misto de apreenção e de liberdade. É como estar correndo e, de repente, sair voando.

O Betinho logo assumiu a função de pescar e já no primeiro dia, antes mesmo de passar o Cabo Calcanhar (vértice do Brasil entre costa sudeste e costa nordeste), pegamos um atum de aproximadamente 4 kg. Perfeito para o almoço de amanhã.

Já no primeiro amanhecer a tripulação se mostrou muito sintonizada. O dia começa, para os três, com a toalete na escada de popa e um banho de reboque que lava até a alma.

No almoço, os filés do atum viram uma dádiva. Normalmete é um peixe de sabor muito forte. Meus amigos, que são graduados em pesca, cortaram o rabo do atum e o rebocaram, ainda no mar, por mais 1 hora, com isto o sangue se escoou e a carne ficou bem mais apreciável. Aprendi mais uma.


Aos poucos vamos definindo nossas rotinas a bordo. Teremos duas semanas de céu e mar e precisamos negociar com nosso corpo e mente a melhor maneira de interagir e apreciar esta experiência.

Mas o banho de mar, no despertar, já virou sagrado. É como ser batizado a cada novo dia.


O antigo escoteiro, hoje velho marinheiro, se rende as facilidades da modernidade. O GPS-Map nos posiciona e nos dirige ao destino sem dúvidas nem mistérios.

Por duas noites seguintes tivemos um carona que se hospedou sobre o painel solar. No amanhecer precisávamos lavar seus dejetos para não prejudicar a capitação da energia.

O Betinho trouxe uma câmara GoPró, mas estamos aprendendo ainda suas funções. Sua objetiva é do tipo "olho de peixe" e suas imagens tem outra amplitude.

Optamos por um rumo bem aberto, em relação ao litoral nordeste do Brasil, pois nosso plano era ir direto ao Tobago, evitando uma costa de muitos baixios e poucos abrigos. Ao passar pela foz do rio Amazonas, a recomendação é estar afastado pelo menos 200 milhas (370 km), evitando assim a agitação propagada pelo encontro de águas e  eventuais árvores boiando.
No quarto dia cruzamos a linha do equador. Passamos do hemisfério sul para o norte. Isto é sempre motivo de comemoração, principalmente para os que o navegam pela primeira vez.

O Guego faz a devida referência a Netuno e...

abrimos uma cachaça artesanal que trouxemos já pensando numa comemoração bem brasileira.

Depois do quinhão a Netuno até o Betinho, que é abstêmio, fez o seu brinde.

Não sei se pela cachaça, ou pelo vento que começou a minguar, mas depois do almoço o banzo foi geral.

Com o piloto automático encarregado de fazer o rumo, nosso trabalho era somente o de ajustar as velas quando alguma mudança no vento ou mar aconteciam, e vigiar o horizonte (em 360º) antecipando a aproximação de qualquer outra embarcação. Parece pouco mas isto é durante as 24 horas de cada dia. Estabelecemos turnos, que iam das 8:00 da noite as 6:00 da manhã, com 2 horas para cada um. As noites um céu repleto de estrelas, astros e meteoritos riscando o céu (estrelas cadentes) formavam o nosso teto.

De dia o movimento era por conta dos pequenos peixes voadores, que apelidamos de pirilampos. Eram bandos e bandos voando assustados com o nosso andamento. Seu tamanho ia de 5 a 25cm e pela manhã tínhamos sempre que retirar um punhado que jaziam no convés.
O equipamento da foto é o Spot, outra maravilha da modernidade. O mantivemos ligado durante todo o percurso. A cada 10 minutos ele registra nossa posição sobre o  mapa do Google Map e assim nossa rota fica registrada. Quem quiser saber do nosso andamento, sempre nos últimos sete dias, é so acessar no link http://share.findmespot.com/shared/faces/viewspots.jsp?glId=0cEfApSehFCxeLqILX6hE7khRi13UTTFp, mas só o mantemos ligado quando estamos navegando.
Este equipamento tem ainda o recurso de se poder avisar quando em apuros, e até solicitar um serviço de resgate, que contratei como um seguro a mais, mas não pretendo verificar se realmente funciona.

Este trecho, embora longo, tem um padrão de vento e mar, gerado pela ocorrência dos alízios, que nos garante um vento + correnteza a favor, embora nesta região equatorial dê uma murchada, o que nos atrasou um pouco.

No sétimo dia Guego teve que lavar as suas sete cuecas e o Firulete virou varal.

Na trégua do vento, aproveitamos para entrar na piscina que aqui regula em 3.500 metros de profundidade.

No entardecer vimos algo flutuando e nos aproximamos. Tratava-se de um painel de alumínio estruturado, curvo, com aproximadamente 3 por 6 metros, todo rebitado. Na parte de baixo cor branca com algumas letras em preto. Não tivemos dúvidas, tratava-se de parte da carenagem de um avião, e pelo raio da curvatura do painel era dos grandes. Se não estivesse anoitecendo iríamos mergulhar para anotar as inscrições e poder comunicar e dar a posição, mas abandonamos a ideia e seguimos.

No dia seguinte mais duas novidades, o Betinho com seu super rádio, conseguiu acompanhar a brilhante vitória de 4x1, do Tigre em Natal (ver vídeo da nossa comemoração no http://www.youtube.com/watch?v=uL3nO24gNwU&feature=youtu.be )...

e no entardecer vimos um lançamento de um foguete que subiu numa velocidade muito grande, se separou do primeiro estágio e sumiu nas nuvens. Devia ser muito grande, pois pela posição teria sido lançado de Porto Rico, ou da Flórida, imaginamos.
O dia foi cheio de emoções fortes.
Como o vento continuava fraco, decidimos nos aproximar de terra para aproveitar melhor a ação da corrente e decidimos ainda passarmos pelas Ilas du Salut, defronte a Guiana Francesa e conhecê-las.
Foi uma indicação do Dário, um suiço do veleito Top to Top, que conheci em Noronha. Vejam o site dele e curtam uma boa história e um bom propósito para navegar - www.toptotop.org

No dia seguinte, já na aproximação de costa (50 mts de profundidade) fisgamos um peixe, e parecia dos grandes.

Depois de uma hora e meia de lida, conseguimos embarcá-lo. Uma cavala de 1,20 mts e aproximadamente 12 kg.

Um belo troféu, além de nos garantir o rango por um bom tempo.


O Guego tirou os filés e logo estávamos saboreando um sashimi da hora.

 Ancoramos a noite no abrigo das Ilas du Salut, um conjunto de 3 ilhas, onde uma delas é a Ila du Diable, onde foi filmado Papilon. Ficam a 10 milhas da Guiana Francesa e é tudo território francês.

No abrigo amanhecemos ao lado de dois barcos, um suiço e...

um australiano, que já havíamos encontrada em Natal. Ambos com um casal cada a bordo.

Guego e Betinho desceram na ilha para conhecer. Eu fiquei ajeitando o barco que afinal chegava de uma navegada de 11 dias.

Os dois fizeram boas fotos...

e até tomaram água de coco.

Enquanto eles estavam em terra, apoitou próximo ao Firulete, um barco da aduana francesa. Fiquei preocupado com a situação irregular dos dois, pois afinal não fizemos os devidos procedimentos de entrada, que só poderiam ser feitos na capital. Mas ninguém ligou para nós e no meio da tarde...

já nos fazíamos ao mar, num traves espetacular. Voando baixo. Tínhamos mais 630 milhas até Tobago. Previsão de +4 dias.

Depois de uma noite dormida inteira, voltamos ao rítmo de travessia. Céu, mar, nascer e por do sol, e a noite muitas estrelas e revezamento em trunos.

A cavala continua rendendo. Hoje foi em forma de muqueca. Enquanto não terminar ninguém pesca.

Como terminou o estoque de pão, os dois colocaram em prática uma receita que aprendemos em Natal, com um padeiro que virou velejador.

E não é que deu certo. O melhor pão que já comi.

Durante a travessia passaram por nós muitos navios, uma média de 2 por dia. São sempre motivo de atenção, pois se aproximam muito rápido. A recomendação é de a cada 20 minutos se dar uma olhada em todas as direções (360º) para evitar maiores sustos. Estes monstros não são muito confiáveis pois normalmente seguem um rota pré-programada e ninguém fica olhando para frente.

Este foi um dos que passou mais perto.

O mar continua calmo, o vento melhorou bastante - uns 15 nós e pela alheta de boreste. Seguimos rapidamente só com a genoa aberta (média de 6,5 nós). As noites o vento sempre aumenta um pouco mais.

No último por do sol ele esteve ainda mais lindo. As cores do poente irradiavam uma tonalidade mística que a tudo envolvia.

Na manhã do 17º dia, a partir da saída de Natal, avistávamos Tobago. Chegou conosco uma chuva rápida, um grande navio de turismo e um arco-íres duplo. Nossa travessia, que fora abençoada em todo o tempo, ainda teve seu show de encerramento.

Fomos direto para Scarborough, capital de Tobago, para fazermos os procedimentos formais de entrada.

Ancoramos ao lado do gigante Aida, navio italiano que despejava turistas aos milhares.
O T&T Spirit é um catamarã que faz a ligação com Trinidad, a ilha principal do país denominado Trinidad-Tobago.

Eu e o Betinho fomos de bote até a cidade, com todos os documentos do barco e pessoais, para fazermos o visto de entrada, mas no sábado  a aduana não funciona. Para não perdermos a viagem fomos ao mercado, compramos o que já nos fazia falta, e reabastecemos a geladeira com cerveja caribenha. Caramba é muito boa.

 Levantamos ferro do porto da cidade, que fica a barlavento da ilha, e fomos em busca de um porto mais atraente, no sotavento (lado abrigado).
A ilha oferece três boas opções de ancoragem: Charlotteville, para quem vem pelo norte, Mt. Irvine Bay, no lado noroeste da ilha e Story Bay, na ponta oeste, e foi para lá que rumamos.

Uma tranquila baía onde ancoravam cerca de ums 10 veleiros, quase todos tripulados por jovens casais (da minha idade para cima), a maioria alemães. Vejam vídeo feito na ancoragem de Story Bay no https://www.youtube.com/watch?v=vwj7SnuJByw

Ancoramos do lado do Libera, de aço. Betinho não gostou muito pois lembra Santa Líbera, onde ele trabalha.

Colocamos bote e motor n'água e fomos para terra num bar alternativo da beira da praia, só para conferir se a beer Carib long nec era igual a em lata.
Bem, aqui estamos amigos! O Firulete, mais uma vêz provou que é marinheiro e Netuno nos foi camarada. Agora é curtir o Caribe, este pedaço do paraíso. Nos aguardem.

9 comentários:

  1. Como é bom termos notícias! E o que é melhor, só boas notícias!
    Estamos sempre de olho no blog, entramos todos os dias e já estávamos sentindo falta das atualizações.
    Por aqui, como falei ao telefone, a saudade aumenta. Mas não queremos que tu voltes sem viver essa experiência maravilhosa que estás vivendo e que tanto planejastes! A saudade espera, enquanto isso vai aumentando a cada dia.
    Um beijo, tua Lú!

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  2. Norberto e novos marujos (Guego e Betinho)
    Muito bom saber que foi tudo tranquilo.
    Adorei as fotos em terra, mas as imagens de nascer e por do sol... Aff! Belíssimas!
    Ri muito da historia da calça do garageiro. kkkkkkk e imagino que Rodrigo venha sentir falta dessas coisas. Norberto, sua decisão de seguir em frente mais uma vez mostra sua determinação e confiança em boas energias. É isto, meu caro! Superando, adaptando-se, vivendo.
    Se estão tendo atuns e cavalas que os alimenta, saibam que me alimento das postagens no blog; por isso NÃO DEMOREM TANTO ATUALIZARRRRRRRR. kkkkkkk
    Boas descobertas e boa breja caribenha.
    Grande abraço
    Sandra

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  3. Navegadores,
    Muito bom saber notícias atraves deste blog, belas fotos e muito boa narrativa!
    um grande abraço e Boa viagem.
    Alexandre Búrigo

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  4. Muito legal!

    Acompanhando a jornada.

    abraços

    rafael milioli

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  5. saudades sogão de você e suas culinárias.tá d mais essa viagem .traz um pouco desse sashimi aí. :-) rô

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  6. muito legal ! Belíssima viagem ! E pelo visto o barbapapa tá embarcado....hehehe

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  7. Ola Norberto e tripulantes, como amigo de seu filho Jerônimo, soube dessa grande empreitada, privilégio de poucos, que já está a todo vapor. Queria registrar o quão deslumbrado, fascinado, fiquei ao começar a acompanhar seus relatos por este blog. Destaca-se, aqui, sua afinidade com as palavras, seu farto vocabulário, sempre retratando com emoção e perfeição os mais variados momentos dessa bela viajem.
    Fico surpreso com a coragem de vocês, “cruzeiristas”, navegando, sem saber ao certo, o que lhes espera. Fico admirado com a sintonia de vocês com a natureza, com a disposição de se relacionar e fazer novas amizades, adquirindo, sempre, ao final, grande conhecimento e experiências.
    Não é em toda esquina que encontramos pessoas como vocês, dispostas a novas aventuras, a conhecer novos lugares, não importando as dificuldades.
    Parabéns pela iniciativa, ganharam um fã e um seguidor. Não deixem de atualizar o blog, como falei pro Gê, isso pode virar um belo livro.
    Boa viajem a todos, e que bons bentos os levem. Até mais, abraços.
    Hendel Pescador

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  8. Prezado Comandante,
    Conforme já havia registrado no email acompanhei dia após dia a derrota do Firulete pelo Spot Live e o seu desempenho rumo ao caribe.
    Estava curiosíssimo para ler o seu próximo relato e ver as fotos no seu blog.
    Especialmente, estava querendo saber o que houve em quatro momentos da viagem:

    . Como foi a passagem pela Linha do Equador;
    . O que houve no 6º dia em que a distância navegada (pelo Spot Live) foi de apenas 7 milhas;
    . O que aconteceu para darem uma guinada na rota, a bombordo, no 8º dia;
    . Por que se aproximaram tanto da costa da Guiana Francesa no 12º dia.
    Lendo e vendo as fotos no Blog todas as minhas curiosidades já foram tiradas.
    Fiquei maravilhado com o que vi e li no Blog. Tiram esta longa perna de letra!
    Que continuem assim.
    Grande abraço.
    Luiz Cordioli

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  9. Quando vejo e leio essas reportagem fico emocionado pois se tornou meu maior sonho viver a bordo e de um veleiro.


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